Em entrevista ao g1, criadores da trilogia animada, atores e novo trio de diretores explicam como novo filme se diferencia no gênero de multiversos: ‘Espetáculo apenas pelo espetáculo é um tédio’. Phil Lord e Chris Miller falam sobre ‘Através do Aranhaverso’ e a fadiga de multiversos
Antes da estreia de “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso” nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (1º), os criadores da trilogia animada, Phil Lord e Chris Miller, precisam que o público saiba de duas coisas:
Esta é a primeira parte de história dividida em duas, com a conclusão em “Além do Aranhaverso”, em 2024;
Este não é um filme sobre multiverso.
Quer dizer, há um multiverso, claro. Mas, em sua alma, se trata de um “drama de personagens”, mais interessado em quem está por baixo das máscaras – e são centenas delas – do que nas inúmeras dimensões paralelas.
“O segredo para um grande gibi ou uma grande adaptação é que eles são na verdade sobre as pessoas dentro das fantasias. Isso pode ser facilmente esquecido, mas no roteiro nunca usamos seus nomes de super-herói. Sempre usamos seus primeiros nomes, porque sempre queremos nos lembrar que estamos escrevendo pessoas”, diz Phil Lord em entrevista ao g1. Assista ao vídeo acima.
Ao lado de seu parceiro criativo de projetos como “Anjos da Lei” (2012) e “Uma aventura Lego” (2014), Chris Miller, ele assina a produção e o roteiro da sequência.
“E estamos escrevendo um drama de personagens, basicamente. E isso é que mantém o sentimento de frescor e impede de ser apenas conteúdo.”
Miles Morales em cena de ‘Homem-Aranha: Através do Aranhaverso’
Divulgação
Antes do filme anterior, “Homem-Aranha no Aranhaverso” (2018), a dupla tinha ouvido de executivos de estúdios que o público não estava pronto para o conceito de multiverso.
Um Oscar de melhor animação – e diversos outros filmes com dimensões paralelas, inclusive o ganhador do prêmio principal do cinema americano, “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” (2022) – depois, os cineastas sorriem quando lembram disso.
“Eles estavam prontos”, afirma Lord.
Mas não há receio de que talvez agora os espectadores estejam cansados do gênero?
“Acho que o público está cansado de coisas que já viu antes. Se esse fosse um filme que parece todos os filmes de multiverso, isso poderia acontecer. Mas, ele dá ao público uma experiência que não pode conseguir em nenhum outro”, diz Miller.
“Uma coisa que é muito especial nele é que cada mundo em que entramos é animado em um estilo diferente. Você pode sentir a mão de um artista diferente.”
Gwen Stacy e Miles Morales encontram uma Sociedade-Aranha em ‘Homem-Aranha: Através do Aranhaverso’
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Amigão de várias vizinhanças
“Através do Aranhaverso” dá sequência à história de Miles Morales, o jovem preto e latino dos quadrinhos da Marvel que também assume a identidade de Homem-Aranha.
Na continuação, ele já está mais confortável com seus poderes e com a máscara, mas sente falta de seus antigos amigos de universos paralelos. Em especial, da Mulher-Aranha/Gwen Stacy.
A saudade dura pouco. Quando um portal se abre em seu quarto, o sorriso conhecido da moça o apresenta a uma organização de elite formada por centenas de diferentes “pessoas-aranha”, unidas contra ameaças à existência do multiverso.
Por isso, Morales dessa vez viaja por outros mundos e conhece novas realidades, cada um retratado com diferentes traços e estilos. Ou seja, algo que se destacou nos personagens do antecessor agora é ampliado para dimensões inteiras.
“Cada mundo parece que você está entrando em uma pintura ou desenho ou gibi diferente. E é uma experiência que você nunca teve antes cinematograficamente. É isso que faz com que ele seja fresco e interessante e diferente e novo”, conta Miller.
“Sabemos que chamamos o primeiro filme de ‘No Aranhaverso’, mas não tivemos a chance de verdade de entrar no Aranhaverso direito. Então, pensamos que esse poderia se chamar ‘Homem-Aranha de fato no Aranhaverso’.”
Jessica Drew e Miguel O’Hara em cena de ‘Homem-Aranha: Através do Aranhaverso’
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‘Quem é de verdade sabe’
Na tal “sociedade-aranha”, Miles recebe a orientação de alguns personagens já conhecidos, outros tirados diretamente das HQs e até versões diferentes de heróis já estabelecidos.
É o caso da Mulher-Aranha/Jessica Drew. Criada em 1977 como uma mulher branca e com poderes bem diferentes aos do Homem-Aranha, no filme ela aparece como uma personagem preta, grávida e motoqueira, que lança teias pelos dedos – dublada no original por Issa Rae (“Insecure”).
“Eu acredito em multiversos. Eu acredito que estamos em um agora.”
“Não quero entrar em minhas próprias psicologias aqui, mas se você sente que há apenas um universo e uma existência, então, com certeza, você se cansaria deles. Mas se você sentir que são múltiplas realidades, você não vai. Você entende. Quem é de verdade sabe”, diz a atriz de 38 anos.
Já o Punk-Aranha foi criado só em 2005 na saga dos gibis que inspirou a trilogia. Como uma versão mais radical e anárquica do herói, ele rapidamente ganhou fãs entre leitores. Em “Através do Aranhaverso”, ele é dublado em inglês por Daniel Kaluuya (“Não! Não olhe!”).
“Eu acho que as melhores versões desses filmes (de multiverso), mesmo que seja a Marvel, é quando eles falam sobre algo real, mas usam a linguagem dos quadrinhos e a ação para torná-los divertidos, mas então você vem e vai embora pensando em algo”, fala o britânico de 34 anos.
“Eu amo isso. Quero dizer, a grande coisa que tirei (do filme) foi essa coisa sobre paternidade. E eu não tenho filhos. Então, é como um comentário realmente profundo sobre quando seu filho cresce e você pode perdê-lo. E como você lida com isso.”
Miles Morales em cena de ‘Homem-Aranha: Através do Aranhaverso’
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Aranhaverso 2 – Parte 1
Como parte do meio de uma trilogia, “Através do Aranhaverso” já foi comparado por Miller a “Star Wars: Episódio V – O Império Contra-Ataca” (1980).
Mas, com um final mais aberto claramente deixado para o próximo filme, ele encontra ecos mais recentes em produções como “Duna” (2021) e até “Velozes e furiosos 10” (2023).
Tanto que em 2021 as continuações de “No Aranhaverso” receberam os subtítulos originais de “Parte 1” e “Parte 2”. Só que esse nem sempre foi o plano.
Ao final do primeiro, uma cena pós-créditos já apresentava Miguel O’Hara, o Homem-Aranha 2099 (um clássico semicult dos quadrinhos). Ele deveria ser a porta de entrada de Miles ao multiverso. Depois disso, Miller e Lord não sabiam mais muita coisa.
Enquanto escreviam, perceberam que a história era grande demais para um só filme, mesmo com diferentes dimensões. Por isso, decidiram dividi-lo. Para o estúdio, não foi uma escolha difícil.
A Sony licencia o personagem para o Universo Cinematográfico da Marvel nos cinemas, em uma situação bizarra na qual a editora precisa pegar emprestado o próprio herói, mas é a única responsável pelas animações. Empolgada, ainda aprovou um filme derivado, protagonizado pelas Mulheres-Aranha.
“Pareceu a decisão correta. Nos permitiu ter o espaço para nos aprofundarmos nos personagens e nos relacionamentos e fazer tudo ter importância. Tudo ser especial. Não apenas passar tão rápido que você não consegue nem se comprometer com aquilo ou chorar, assim como rir”, diz Miller.
Gwen Stacy, Peter B. Parker e a bebê May em cena de ‘Homem-Aranha: Através do Aranhaverso’
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Aranha, de 3
Para fazer “Através” e “Além” ao mesmo tempo, os criadores foram atrás de outro trio para a direção.
No lugar de Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rodney Rothman, responsáveis pelo primeiro que assumem crédito de produção-executiva nas sequências, entram Joaquim dos Santos (“Liga da Justiça Sem Limites”) Kemp Powers (“Soul”) e Justin K. Thompson (designer de produção em “No Aranhaverso”).
Mesmo com animações nos respectivos currículos, os três ostentam experiências bem diferentes na área.
“O principal é trazer nossas perspectivas únicas e nossas forças individuais para esse processo colaborativo, porque realmente é. É uma colaboração não apenas de nós três, Phil Lord e Chris Miller, mas de uma enorme equipe de mil pessoas”, diz Powers.
Apesar de ser o único com experiência na direção de um longa-metragem, ele é a perna do tripé com menos bagagem em desenhos animados.
Já Thompson estreia como diretor (de qualquer tipo de projeto), promovido para o cargo depois de trabalhar como designer de produção com Miller e Lord em “Tá chovendo hambúrguer” (2009), “Tá chovendo hambúrguer” (2013) e “No Aranhaverso”.
Segundo ele, cada um assumia diferentes áreas para conseguir dar conta do ritmo frenético.
“Kemp tinha de ir a gravações e trabalhar com os atores ou no lado editorial, do roteiro. E de vez em quando o Joaquim trabalhava com os storyboards e com a câmara porque é tudo muito rápido. Essas coisas estão acontecendo ao mesmo tempo, e então eu estou trabalhando com iluminação e efeitos e trabalhando com o departamento de modelagem, para construir todos esses cenários e tudo mais”, diz ele.
Powers conclui de uma maneira mais categórica.
“Honestamente, se fosse um diretor só, acho que este filme provavelmente não estaria no cinema por mais três ou quatro anos. Porque é muita coisa. É um empreendimento muito grande. Não há como salientar isso o suficiente.”