O anúncio surgiu aparentemente do nada no domingo, quando foi divulgado pela primeira vez através dos canais de língua inglesa e árabe dos militares israelitas: Os militares iriam “pausar” os seus combates durante o dia ao longo de um importante corredor de ajuda humanitária no sul de Gaza até novo aviso.
No meio de alguma confusão imediata sobre o âmbito da pausa, seguiu-se rapidamente um esclarecimento, desta vez em hebraico e aparentemente para consumo doméstico. A mudança não significou o fim dos combates no sul da Faixa de Gaza, afirmou o comunicado, acrescentando que a campanha na cidade de Rafah, no extremo sul, continuava. Autoridades militares disseram as pausas diárias destinavam-se apenas a facilitar o aumento da distribuição de ajuda alimentar em Gaza, onde organizações internacionais emitiram alertas terríveis sobre a fome.
A estranha coreografia das mensagens tornou-se ainda mais estranha quando o governo sugeriu que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu só soube do plano militar através das notícias e sinalizou a sua desaprovação.
Mas analistas disseram que era provável que o primeiro-ministro estivesse ciente do plano e que cada anúncio fosse adaptado a públicos diferentes. As declarações em forma de chicote pareciam refletir as pressões concorrentes enfrentadas por Netanyahu, enquanto ele concilia as exigências da administração Biden e de outras partes do mundo com as do seu próprio governo agressivo. Os seus parceiros de coligação de extrema-direita opõem-se a quaisquer concessões em Gaza e ele depende do apoio deles para permanecer no poder.
A nova política em torno do corredor humanitário – onde os militares disseram que interromperia os combates diariamente das 8h às 19h – entrou em vigor no sábado, segundo oficiais militares. Mas Netanyahu insinuou que só soube dos planos na manhã de domingo.
“É o clássico Bibi”, disse Amos Harel, analista de assuntos militares do jornal de esquerda Haaretz, referindo-se a Netanyahu pelo apelido. Tal como outros especialistas, ele disse que é pouco provável que o anúncio tenha sido uma surpresa completa para ele, mesmo que os comandantes militares não o tenham actualizado sobre o momento exacto do que chamaram de mudança táctica.
“Ele tem uma máscara para cada ocasião”, disse Harel em entrevista. “Para os americanos, ele precisa mostrar que está fazendo mais para conseguir ajuda. Para o público israelense, ele pode dizer ‘eu não sabia’ e optar por uma negação plausível.”
Uma declaração emitida no domingo por um funcionário anónimo do governo, cujo nome e cargo não puderam ser divulgados, conforme o protocolo, disse que quando Netanyahu soube da pausa humanitária, considerou-a inaceitável. O primeiro-ministro foi posteriormente assegurado, acrescenta o comunicado, que não houve alterações nos planos dos militares relativamente aos combates em Rafah, a cidade do sul de Gaza, perto do corredor que tem sido o foco de operações recentes.
Shani Sasson, porta-voz da Cogat, a agência israelense que supervisiona a política para os territórios palestinos e faz ligação com organizações internacionais, disse que a medida visava ajudar a eliminar um acúmulo de mais de 1.000 caminhões que já haviam sido inspecionados por Israel e aguardavam. no lado de Gaza da passagem de Kerem Shalom.
“Pedimos às organizações humanitárias que venham buscar a ajuda e a distribuam”, disse Sasson. “Depende deles.”
A ação militar coincidiu com o início do feriado muçulmano de Eid al-Adha e com a incerteza sobre o destino de uma proposta israelense de cessar-fogo com o Hamas, que inclui uma troca de reféns por prisioneiros palestinos. Autoridades disseram que o Hamas exigiu algumas mudanças impraticáveis na proposta que foi apoiada pela administração Biden e endossada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A “pausa táctica” também ocorre enquanto Israel aguarda outro relatório internacional esperado este mês sobre a insegurança alimentar em Gaza. Um relatório anterior de março, avisou que metade da população de Gaza enfrentava uma insegurança alimentar “catastrófica” e uma fome iminente.
Netanyahu e o seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, também enfrentam a ameaça de prisão, sob acusações de crimes de guerra, por parte do Tribunal Penal Internacional de Haia. Eles foram acusados de usar a fome como arma de guerra.
Israel retratou Rafah como o último bastião dos batalhões organizados do Hamas e a operação militar ali como o grande passo final na guerra. Os militares ganharam agora o controlo do corredor ao longo da fronteira sul de Gaza com o Egipto, há muito tempo um canal principal para o contrabando de armas para o território.
Os israelitas questionam cada vez mais para onde vai a guerra a partir daqui e quando terminará. O custo para ambos os lados está aumentando o tempo todo. Pelo menos 10 soldados israelenses foram mortos em combate neste fim de semana e um 11º morreu devido aos ferimentos sofridos dias antes.
Cerca de 1.200 pessoas foram mortas no ataque liderado pelo Hamas ao sul de Israel, em 7 de outubro, que desencadeou a guerra e, ao todo, mais de 300 soldados israelenses foram mortos em combate desde então.
Mais de 37 mil palestinos foram mortos na guerra até agora, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, que não faz distinção entre combatentes e civis.
Numa entrevista ao Canal 12 de Israel neste fim de semana, Gadi Eisenkot, um ex-chefe militar e agora um político centrista que renunciou ao governo de emergência em tempo de guerra junto com o líder de seu partido, Benny Gantz, na semana passada, acusou Netanyahu de colocar suas necessidades políticas antes os da segurança nacional.
Eisenkot disse que a influência de um dos parceiros de coalizão de extrema direita de Netanyahu, Itamar Ben-Gvir, ministro da segurança nacional, foi uma presença constante nas discussões no gabinete de guerra, embora Ben-Gvir seja não é membro desse órgão de decisão.
Ben-Gvir e o ministro das finanças de extrema direita, Bezalel Smotrich, criticaram abertamente a liderança militar durante a guerra e também prometeu derrubar o governo do Sr. Netanyahu se concordar com um acordo de cessar-fogo antes que o Hamas seja totalmente destruído – um objectivo que muitos especialistas dizem ser inatingível.
Previsivelmente, Ben-Gvir foi rápido no domingo em atacar o anúncio militar da pausa humanitária numa postagem nas redes sociaisdenunciando-a como uma “abordagem louca e delirante” e acrescentando que “o tolo malvado” que decidiu isso “não deve continuar na sua posição”.
O Sr. Ben-Gvir não especificou a quem se referia.
Gabby Sobelman relatórios contribuídos.
– Isabel Kershner reportagem de Jerusalém