Autoridades disseram que novas mutações do coronavírus podem ocorrer em meio ao surto atual, mas minimizaram as preocupações sobre suas taxas de transmissão e mortalidade. Homem carrega urna com cinzas de ente querido em Pequim
Getty Images/Via BBC
Crematórios em várias partes da China estão enfrentando uma grande demanda depois que o governo do país decidiu suspender as rígidas medidas da política de “covid zero”, de acordo com relatos da mídia local.
O jornalista Dake Kang, que mora em Pequim e trabalha para a agência Associated Press (AP), visitou a funerária Dongjiao, na capital, que foi designada para receber vítimas fatais da covid-19.
“Uma ou duas dúzias de pessoas estavam do lado de fora esperando enquanto pessoas carregavam caixões e chamavam os nomes dos mortos”, disse Kang à BBC.
Autoridades de saúde na china alertam população que novas mutações da Covid podem acontecer em meio ao surto que o país vive
Ele conversou com funcionários da funerária, que disseram ter notado um aumento no movimento.
“Um deles disse especificamente que estimou que havia cerca de 50 a 100 pessoas sendo cremadas ali por dia, em comparação com algumas dezenas (de corpos) anteriormente.”
Não é apenas em Pequim, lar de mais de 22 milhões de pessoas, que as casas funerárias parecem mais movimentadas do que o normal.
Do nordeste ao sudoeste do país, a agência de notícias registrou que funcionários de crematórios dizem estar lutando para dar conta do aumento das mortes.
A cerca de 700 quilômetros a nordeste de Pequim, na cidade de Shenyang, um funcionário de uma funerária disse que corpos chegaram a ficar insepultos por até cinco dias.
Os crematórios estão “absolutamente lotados”, disse ele.
“Nunca vi um ano como este”, disse o funcionário, referindo-se à alta demanda.
Mas Kang afirma ser impossível dizer quão grande é o aumento nas mortes por covid.
Mulher segura foto de ente querido do lado de fora de crematório em Pequim
Getty Images/Via BBC
As autoridades chinesas relataram apenas cinco mortes por covid nesta terça-feira (20/12), após duas na segunda-feira (19) — as primeiras registradas em semanas.
A China suspendeu em dezembro algumas das restrições mais rígidas do mundo relacionadas à covid, após protestos contra elas. Há temores de que o coronavírus possa afetar uma população que tem muito pouca imunidade, já que foi bastante protegida desde o início da pandemia.
O que está acontecendo nos crematórios da China?
No domingo (18), dois dias depois que Kang visitou a funerária Dongijao, carros funerários e veículos transportando mortos formaram filas na entrada, segundo a agência Reuters.
Em uma ocasião, enquanto várias chaminés soltavam fumaça das cremações em andamento, cerca de 30 veículos estavam parados do lado de fora da funerária.
A polícia está fazendo a guarda de alguns crematórios, informaram a Bloomberg e a Sky News.
“O número de corpos recolhidos nos últimos dias é muitas vezes maior do que antes”, disse à AFP um funcionário de um crematório em Chongqing, uma cidade no sudoeste da China.
Preferindo não se identificar, ele afirmou que o crematório estava ficando sem capacidade de refrigerar os corpos.
“Não temos certeza (se a alta demanda está relacionada à covid), você precisa perguntar aos líderes responsáveis.”
Mas os líderes não estão falando muito.
Aumento de casos de covid
“Falei com algumas pessoas que disseram ter perdido parentes que testaram positivo para covid. Isso é interessante, porque os números oficiais de mortos na época não mostravam mortes por covid. Pode ser uma questão complicada por conta da maneira como a China contabiliza as mortes por covid”, explica o jornalista Dake Kang.
A China registrou 5.242 mortes por covid desde que o início da pandemia, que surgiu na cidade de Wuhan no final de 2019. É um número de mortes muito baixo para os padrões globais.
Mas na terça-feira, as autoridades chinesas revelaram que apenas as mortes causadas por pneumonia e insuficiência respiratória após contrair covid seriam classificadas como mortes por covid.
“Ataques cardíacos ou doenças cardiovasculares que causam a morte de pessoas infectadas não receberão essa classificação”, disse o chefe de doenças infecciosas do Primeiro Hospital Universitário de Pequim, Wang Guiqiang.
Na mesma conferência, as autoridades disseram que novas mutações do coronavírus podem ocorrer em meio ao surto atual, mas minimizaram as preocupações sobre suas taxas de transmissão e mortalidade, informou a mídia estatal.
“É relativamente improvável que (o vírus) aumente sua capacidade de transmissão e letalidade ao mesmo tempo”, disse Xu Wenbo, funcionário do Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças.
O fim dos testes obrigatórios dificultou o rastreamento do aumento da covid na China, com as autoridades admitindo na semana passada que agora é “impossível” contabilizar quantos adoeceram.
“Uma das pessoas na funerária disse que viu em alguns atestados de óbito que a causa da morte estava pneumonia, e não covid”, relata Kang.
Um milhão de mortes em 2023, segundo previsão de estudo
A retirada abrupta das restrições relacionadas à covid-19 pode resultar em uma explosão de casos e mais de um milhão de mortes na China até 2023, de acordo com uma nova projeção do Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME, na sigla em inglês).
O IHME é um centro independente de pesquisa em saúde global da Universidade de Washington, nos Estados Unidos.
O estudo calculou que pode haver 322.000 mortes no país até 1º de abril de 2023. Na mesma data, as infecções atingiriam o pico, mas o número de indivíduos suscetíveis a manter a transmissão continuará meses depois de abril, segundo a projeção.
“A política de covid zero da China pode ter sido eficaz em manter as variantes anteriores do vírus sob controle, mas a alta transmissibilidade das variantes ômicron tornou impossível sustentar isso”, explicou Christopher Murray, diretor do IHME.
A projeção baseou-se em dados de um recente surto da ômicron em Hong Kong.
“Desde o surto inicial de Wuhan, a China quase não registrou nenhuma morte. É por isso que procuramos Hong Kong, para ter uma ideia da taxa de mortalidade por infecção”, disse Murray.
Mas parece que os hospitais chineses, pelo menos por enquanto, não estão sendo afetados por uma forte demanda. Kang visitou um em Pequim.
“Não houve sinais reais de grande superlotação. Mas é claro que Pequim não é representativa da China. Provavelmente lá tem os melhores recursos médicos de todo o país”, disse o jornalista.
– Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-64046432