Dados do Ministério da Justiça apontam que o Brasil já expediu, de 1º de setembro de 2021 a 6 de dezembro de 2022, 6.302 vistos aos afegãos; mais de 3 mil entraram no país. Equipe liderada pela presidente do Comitê Nacional para os Refugiados visitou abrigos nos dias 30 e 31 de janeiro. Corredores de Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, ficam sem afegãos pela primeira vez
Fábio Tito/g1/Arquivo Pessoal
Os corredores e saguões do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, ficaram nesta sexta-feira (3) pela primeira vez depois de meses sem afegãos acampados e à espera de acolhimento.
A informação foi divulgada ao g1 pela ativista Swany Zenobini, que faz parte do Coletivo Frente Afegã e que convive com a situação dos imigrantes desde agosto do ano passado.
“Ainda tem um monte para chegar, mas depois de 5 meses é o primeiro dia que não tem nenhum afegão no aeroporto. Eles saíram 11h20 para um abrigo gerido pelo governo do estado e Associação Brasileira de Defesa da Mulher da Infância e da Juventude. Estamos no caminho certo “, ressalta.
Em nota, o governo de SP confirmou que acolheu 36 afegãos, entre eles 12 crianças. O grupo foi encaminhado para a Casa de Passagem Terra Nova, em Guarulhos.
O g1 acompanha desde o ano passado a chegada dessas famílias afegãs, que começaram a entrar no país quando as tropas americanas encerraram os 20 anos de intervenção militar no Afeganistão e o grupo extremista Talibã voltou ao poder.
O governo brasileiro publicou em setembro de 2021 uma portaria estabelecendo a concessão de visto temporário, para fins de acolhida humanitária, a cidadãos afegãos. Um ano após a portaria, a reportagem do g1 conversou com famílias que tinham acabado de entrar no Brasil em busca de liberdade e recomeço (veja vídeo e fotos mais abaixo).
Dados do Ministério da Justiça apontam que o Brasil já expediu, entre 1º de setembro de 2021 e 6 de dezembro de 2022, 6.302 vistos humanitários aos afegãos. Desses, entre janeiro e outubro de 2022, 3.367 chegaram ao Brasil, sendo o Aeroporto Internacional de Guarulhos a porta de entrada.
O Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) atendeu 1.035 pessoas afegãs. A maioria é composta por homens entre 18 e 59 anos (490) e mulheres na mesma faixa etária (248). Dessas 738 pessoas, 50,4% possuem formação universitária e 6,5% são pós-graduadas.
Corredor sem afegãos acampados nesta sexta-feira (3) no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo
Arquivo Pessoal
Comissão
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Para evitar que centenas de afegãos fiquem acampados no Aeroporto Internacional de Guarulhos, assim como foi registrado em 2022, o Ministério da Justiça afirmou que uma nova comissão vai acompanhar de perto a situação dos imigrantes que entram no Brasil.
De acordo com o Ministério, a presidente do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), Sheila de Carvalho, passou a liderar a missão de fluxo migratório dos afegãos no aeroporto de Guarulhos com os coordenadores Laís Nitta e Pedro Cícero.
O grupo, além de visitar o aeroporto, fará reuniões com secretários da Prefeitura de Guarulhos e da cidade de São Paulo e, também, do governo estadual paulista.
Em Guarulhos, a comissão já tem como integrantes o coordenador substituto de políticas de refúgio e a chefe do núcleo regional da CG-Conare em SP.
“Serão visitados diversos abrigos municipais e estaduais. A equipe está sendo acompanhada pelo escritório do Acnur [A Agência da ONU para Refugiados] na cidade de São Paulo. A situação no aeroporto está estabilizada, sendo que aproximadamente 20 pessoas aguardam vagas em abrigos”, afirmou o Ministério da Justiça, em nota.
Em entrevista à TV Globo, Sheila de Carvalho ressaltou que o governo federal vai traçar um plano para resolver o problema em definitivo. Ela visitou o aeroporto e abrigos na segunda-feira (30) e terça-feira (31).
“Não adianta a gente buscar por soluções temporárias. A gente tem que buscar políticas públicas para atender diferentes fluxos migratórios. E a lei de migração de 2017 estabelece a necessidade de criação dessa política nacional e isso não foi feito até agora. Essa é a prioridade da nossa gestão”.
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Arquivo Pessoal/Swany Zenobini
A ativista Swany Zenobini também afirma que a comissão é necessária, mas “só será eficaz se ela cumprir seu objetivo principal, que é fiscalizar e dar dignidade”.
“Isso inclui caminhar próximo a todos os atores que estão no aeroporto de Guarulhos ajudando os afegãos, como nós da sociedade civil e outros, até fiscalizar e cobrar melhorias nos equipamentos de acolhimento a essas vítimas de guerra. Precisamos de mudanças estruturais que envolva a criação de políticas públicas e o fortalecimento das políticas já existentes em prol dos migrantes”, diz.
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A prefeitura de Guarulhos ressaltou não é responsável pela acolhida dos afegãos, mas desde o aumento da chegada dos refugiados ao Brasil “tem trabalhado de forma emergencial para conseguir lidar com a demanda desta crise humanitária”.
“Enquanto os refugiados estão no aeroporto, a Prefeitura de Guarulhos tem garantido a segurança alimentar dos mesmos, oferecendo café da manhã, almoço e jantar, além de entregar água e cobertores. As equipes do posto avançado estão à disposição dos afegãos para atender quaisquer necessidades emergenciais que surjam, inclusive de saúde”.
A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social da cidade de São Paulo afirmou, em nota, que realizou uma reunião entre representantes da pasta e do Conare na tarde da última terça-feira (31), no Centro de Acolhida Especial Família ‘Ebenezer’, que está recebendo imigrantes na Penha, zona leste da cidade.
“A Coordenação de Políticas para Imigrantes e Promoção do Trabalho Decente, da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), responsável por articular a Política Municipal para a População Imigrante de São Paulo também esteve presente”, informou..
O CAE Família ‘Ebenezer’ teve o seu serviço iniciado no dia 16 de setembro de 2022, quando 93 afegãos que estavam no Aeroporto Internacional de Guarulhos foram encaminhados para o local.
Afegãos no Brasil
Afegãos no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos
Fábio Tito/g1
O Brasil passou a ser um dos principais destinos para os cidadãos do Afeganistão após o governo brasileiro publicar uma portaria em setembro de 2021 estabelecendo a concessão de visto temporário.
Quase 3 mil afegãos entraram no Brasil de janeiro a setembro de 2022, de acordo com um relatório elaborado pelo Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) a partir dos dados da Polícia Federal e repassado com exclusividade ao g1.
Os dados apontam que o país recebeu 2.842 imigrantes. Destes, 1846 são homens e 993 mulheres. Outros três imigrantes não houve a constatação de gênero. Além disso, a grande maioria que entrou no Brasil tem entre 25 e 40 anos. Há também 712 crianças de 0 a 15 anos.
Veja o perfil dos imigrantes:
Entrada de afegãos no Brasil de janeiro a setembro de 2022
Ainda conforme o relatório, dos 2,8 mil que entraram no país, 149 já saíram do Brasil e a maioria desse grupo tem entre 25 e 40 anos.
A ida massiva de imigrantes para o país da América do Sul ficou mais nítida depois que o Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, passou a ser uma espécie de acampamento para famílias afegãs que, em vez de terem acolhimento imediato, precisam esperar dias por vagas em abrigos (leia relatos abaixo).
Saída de afegãos do Brasil de janeiro a setembro de 2022
Dados do Ministério das Relações Exteriores apontam que, desde o início da concessão de visto humanitário, em setembro de 2021, até 7 de outubro de 2022, foram autorizados 6.299 vistos a afegãos.
E o número de afegãos que entraram no país pode até quadriplicar em 2023, o que preocupa órgãos como a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal (MPF). Isso porque os municípios de Guarulhos e São Paulo, além do estado, não têm estrutura para abrigar todos os que chegam, e os saguões do aeroporto acabaram se tornando os lares dessas famílias.
Pessoas esperar do lado de fora do Aeroporto Internacional de Cabul, no Afeganistão, após Talibã tomar o poder
Reuters/Stringer
O MPF encaminhou um ofício no dia 10 de outubro para a Casa Civil da Presidência da República, questionando se a crise humanitária está sendo tratada pela União seja por meio de Termo de Colaboração, realizado nos moldes da Operação Acolhida e do Edital de Chamamento Público SNJ nº 02/2018, seja no âmbito do Comitê Federal de Assistência Emergencial (CFAE), ou por algum outro mecanismo de articulação.
Outros ofícios pedindo explicações e ações para evitar a crise humanitária foram encaminhados para: Assuntos de Migrações do Ministério da Cidadania, Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social do Município de Guarulhos, Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo e concessionária GRU Airport.
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A alta procura de afegãos nas embaixadas brasileiras em Teerã, no Irã, e Islamabad, no Paquistão, fez com que o Ministério das Relações Exteriores suspendesse temporariamente novos agendamentos nesses locais em 2022.
Na Embaixada do Brasil em Teerã, no Irã, por exemplo, foram agendados cerca de 7 mil pedidos para a concessão de visto entre novembro de 2021 e junho de 2022. As entrevistas ainda estão sendo feitas.
Além disso, há 825 pessoas aguardando para serem entrevistadas em Islamabad, Paquistão, até 11 de janeiro de 2023, segundo o Itamaraty.
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AP – Hussein Malla
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Em setembro do ano passado, a Defensoria Pública da União em SP recomendou, por meio de petição, que o Ministério retomasse o agendamento para vistos, alegando que, uma vez criada a norma para acolhida humanitária, é dever que o país ofereça a emissão de vistos.
No dia 27 de setembro, o Itamaraty respondeu a petição da Defensoria Pública sobre a suspensão e a reportagem do g1 teve acesso à resposta.
O órgão ressaltou que “a afirmação de que a sistemática de concessão de vistos adotada pelas embaixadas brasileiras inviabiliza a política humanitária não corresponde à realidade dos fatos”, já que o governo brasileiro autorizou a concessão de 6.299 vistos humanitários para os afegãos.
“As embaixadas em Teerã e Islamabad sãos as que mais concederam vistos a nacionais afegãos. Ademais, a Embaixada do Brasil em Teerã foi a que mais concedeu vistos quando comparada a toda a rede de postos brasileira, superando a produção de vistos de embaixadas e consulados brasileiros em países superpopulosos, como a Índia e a China”.
Meninos trabalham em fábrica de tijolos nos arredores de Cabul
Ebrahim Noroozi/ AP
O Ministério das Relações Exteriores ainda disse que, em relação às entrevistas para solicitação de visto, novos agendamentos são disponibilizados de acordo com a capacidade de processamento das embaixadas.
“A eventual suspensão temporária dos agendamentos, como foi o caso nas embaixadas em Teerã e Islamabad, recentemente, e a disponibilização de novas vagas são decididas com vistas a assegurar a eficiência e a continuidade da prestação dos serviços consulares. Informações sobre as entrevistas poderão ser requeridas diretamente pelos solicitantes junto às embaixadas autorizadas a conceder visto humanitário para afegãos”.
A luta das afegãs por liberdade
AFP/Wakil Kohsar
Ainda na reposta, o Itamaraty alegou que a decisão das embaixadas de liberação de novos agendamentos de entrevistas é fundamental para a consecução da política humanitária.
“Cada visto de acolhida humanitária requer, em média, horas de trabalho no posto, passando por diversas etapas, como checagem de documentação, agendamento, confirmação de entrevista, entrevista, processamento no sistema, realização de consultas pertinentes, autorização e impressão de visto”.
“No caso da embaixada do Brasil em Islamabad, etapa adicional é necessária, uma vez que devem ser realizadas gestões junto ao governo local a fim de viabilizar a vinda de nacionais afegãos ao Brasil. A mencionada embaixada deve preparar e tramitar pedido de autorização de embarque ao governo paquistanês, documento mandatório para qualquer cidadão afegão deixando o Paquistão. Neste momento, em Islamabad, há 825 pessoas com entrevista de visto para acolhida humanitária agendada até 11/01/2023”.
Afeganistão assolado pela fome
Reuters/Ali Khara
Já no caso da embaixada em Teerã, o Ministério afirmou que foram suspensos novos agendamentos para entrevistas até que os cerca de 7 mil pedidos de agendamento, acordados no período de 12 de novembro de 2021 a 12 de junho de 2022, fossem atendidos.
“As entrevistas nos postos nunca foram interrompidas. Por exemplo, em média são realizadas 50 entrevistas diariamente, na Embaixada do Brasil no Irã. Decisões de suspensão de entrevistas e a disponibilização de novos agendamentos são analisados caso a caso, de acordo com a realidade local, e com o objetivo de garantir a eficácia da política humanitária brasileira”, alegou o órgão à Defensoria Pública.
Bebês no chão
Crianças afegãs dormem no chão enquanto famílias esperam acolhimento no Brasil
Arquivo Pessoal/Swany Zenobini
Imagens feitas pela ativista Swany Zenobini mostram crianças e bebês dormindo no chão do aeroporto na noite do dia 9 de outubro de 2022 junto com suas famílias.
O saguão do terminal virou uma espécie de acampamento para os grupos, que colocam no local bagagens, roupas e colchões doados por voluntários.
“Quando vi a situação no aeroporto, a gente perdeu um pouco da esperança de conseguir algo. Não era para encontrar o povo sem assistência. Mas eu tenho ainda esperança no Brasil de poder trabalhar na minha área no jornalismo. Infelizmente, minha mãe e o meu pai estão no Afeganistão. Por isso, não posso me identificar. Porque, se localizam a minha família, podem oprimir”, disse um ex-apresentador afegão que decidiu morar em São Paulo com a mulher e as duas filhas.
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Fábio Tito/g1
Outro afegão, de 30 anos, relatou ao g1 que era diretor de uma empresa comercial e decidiu vir para o Brasil no começo de setembro depois de ficar oito meses no Irã. Ele também preferiu ter a identidade preservada.
“Os iranianos discriminam diretamente o povo do Afeganistão. Pesquisei na internet que seria uma boa opção vir para o Brasil. O custo [da viagem] saiu US$ 2 mil. Agora, não tenho mais como sair daqui. O dinheiro que a gente investiu foi para vir para cá. Não tenho como ir para outro lugar. Pedimos que o governo brasileiro dê um lugar decente para morar, ensinem português. A gente mesmo vai procurar trabalho. A gente não está em busca de benefícios gratuitos. Precisamos de um lugar decente para viver e aprender o idioma para trabalhar”, relatou, antes de ser informado que seria encaminhado para o Centro de Acolhida.
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Arquivo Pessoal/Swany Zenobini
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Fábio Tito/g1
Famílias afegãs no Aeroporto de Guarulhos
Fábio Tito/g1
Famílias afegãs no Aeroporto de Guarulhos
Fábio Tito/g1