Os números foram compilados pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), que estima um impacto anual de ao menos R$ 38,8 bilhões aos cofres locais. Mais de R$ 29 bilhões (75%) dizem respeito a profissões ligadas à área da saúde.
Para chegar a esse montante, a CNM considerou apenas as vinte carreiras, com projetos em tramitação no Congresso, que teriam o maior impacto aos cofres municipais.
- farmacêuticos
- fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais
- garis
- assistente social
- biólogos
- educador social
- cuidador
- administrador
- profissional de educação física
- saúde bucal
- guarda municipal
- motorista de transporte urbano
- vigilantes
- médicos
- dentistas
- biomédicos
- fonoaudiólogos
- nutricionistas
- e psicólogos
“Isso é assustador porque o dinheiro do município é um só. Se você mexer em um órgão e ele falir, vai falir todo o organismo. Aqui é a mesma coisa. Às vezes, alguém me pergunta: mas o município não pode pagar o piso? Pode, mas e o remédio que já está em falta, como fica? E a busca vacinal, para poder imunizar as pessoas?”, questionou Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Ele avalia que a aprovação de pisos salariais, sem fonte de compensação, desrespeita o pacto federativo, ou seja, as regras que balizam as obrigações de União, estados e municípios.
“Querem criar favor? Então não façam com o chapéu alheio. Tenham responsabilidade fiscal”, afirmou Ziulkoski.
O especialista em contas públicas e professor do Instituto de Direito Público (IDP) José Roberto Afonso disse ver contradições na atuação dos parlamentares.
“É muito preocupante essa tendência de o Congresso aprovar pisos que elevem o salário de servidores estaduais e municipais, pouco tempo depois de o mesmo Congresso ter aprovado leis que limitam a arrecadação do ICMS [Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços – tributo estadual].”
Segundo o especialista, os aumentos dos pisos salariais e a queda da arrecadação do ICMS são fatores de uma “equação que não fecha”.
Nesse embate em torno do ICMS, o governo federal alega que estados e municípios estão com os cofres cheios devido aos repasses feitos pela União durante o auge da pandemia e ao efeito da inflação e da alta das commodities (matérias-primas, como o petróleo, por exemplo) sobre a arrecadação.
Os técnicos da equipe econômica do governo acreditam que, mesmo com a limitação das alíquotas do ICMS sobre itens essenciais, a receita geral do tributo não terá queda expressiva em 2022 na comparação com 2021. O tema também é alvo de disputa no âmbito do STF.
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Pandemia e projetos na Saúde
Dentre as 174 propostas em tramitação no Congresso, 160 estão na Câmara e 14, no Senado. Desse total, 55 projetos – ou seja, cerca de um terço – foram apresentados desde 2020, ano marcado pelo início da pandemia de Covid-19.
O período impulsionou as carreiras, principalmente da área da saúde, a buscarem o estabelecimento de pisos salariais.
O presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos, Fábio Basílio, também considera que a recente aprovação da lei que criou o piso salarial da enfermagem estimulou esse movimento.
A vitória da categoria no Congresso abriu um “portal dos pisos”, na avaliação de Basílio. Ele acompanha, desde 2001, a tentativa de aprovação de um projeto semelhante para a sua profissão.
“Hoje, o profissional da saúde trabalha em um, dois, três locais. Por que ele necessita trabalhar tanto? Porque o salário é muito baixo, principalmente no serviço público”, diz Basílio.
“Você vê muitos editais de prefeituras que trazem salários em torno de R$ 1,6 mil ou R$ 2 mil. Ou seja, remunerações que não dão uma condição digna para a sobrevida dessa pessoa.”
A advogada trabalhista Alessandra Boskovic pondera que a criação de pisos nacionais, por meio de lei federal, ignora as profundas diferenças regionais do Brasil.
“Embora o valor pago seja o mesmo, em qualquer localidade do país, o poder de compra desse dinheiro é muito diferente em uma cidade de custo de vida mais baixo ou em uma metrópole”, diz a sócia do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados.
“Isso gera desigualdades, também, do ponto de vista patronal e do poder público, já que agentes com diferentes potenciais econômicos terão de suportar e internalizar um mesmo custo.”
Por esse motivo, Alessandra considera as negociações coletivas – entre sindicatos e patrões – mais efetivas: “Elas conseguem ajustar e entender melhor as complexidades e necessidades de cada localidade, de cada contexto social, econômico e de trabalho”.
Propostas avançam no Congresso
Além do piso da enfermagem aprovado em julho, o Congresso avançou recentemente na tramitação de outros projetos. No mesmo mês, a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara aprovou o PL que instituiu o piso salarial do farmacêutico.
Também em julho, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado aprovou o projeto que cria uma remuneração mínima para garis. O texto seguiu para a Câmara. Já no fim de agosto, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou o piso salarial de fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais.
A CNM estima que apenas esses três textos podem gerar um impacto anual de R$ 8,3 bilhões aos cofres municipais.
No caso da remuneração para garis, o autor da proposta, senador Paulo Paim (PT/RS), informou que o PL só atinge profissionais da iniciativa privada e que não trata de servidores municipais. Mas a CNM ainda assim estima que haverá impacto aos cofres das prefeituras devido à adequação de contratos com fornecedores, além do adicional de insalubridade.
Assim como o PL da enfermagem, o projeto que trata do piso para fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais também não traz fonte de financiamento. A expectativa do senador Angelo Coronel (PSD-BA), autor da proposta, é que a futura compensação para os salários dos enfermeiros, ainda indefinida, também abarque essas outras duas categorias.
O senador está recolhendo assinaturas e quer aprovar uma proposta de emenda à Constituição (PEC), assim como foi feito com os enfermeiros, a fim de dar segurança jurídica para o cumprimento desse novo piso.
Presidente da Federação Nacional dos Fisioterapeutas e Terapeutas Ocupacionais, Edson Stefanie acompanha a tramitação do texto desde 2009. Ele argumenta que uma remuneração digna também é necessária para o financiamento de estudos e aprimoramentos constantes que, segundo ele, a profissão exige.
“O profissional tem um custo elevado para se formar. Para ter retorno desse investimento, ele demora dez anos ou mais. Então, essa é uma das justificativas que nós temos no nosso projeto”, disse.
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Em setembro, o STF decidiu manter a suspensão da lei que criou o piso salarial dos profissionais de enfermagem até que sejam analisados os impactos da medida na qualidade dos serviços de saúde e no orçamento de municípios e estados.
O plenário da corte concordou com a decisão liminar do ministro Luís Roberto Barroso, que atendeu a um pedido da Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos de Serviços (CNSaúde). A entidade alegou que a fixação de um salário-base para a categoria terá impactos nas contas de unidades de saúde particulares pelo país e nas contas públicas de estados e municípios.
A lei aprovada pelo Congresso em julho e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, em agosto, fixou o piso em R$ 4.750, para os setores público e privado.
O valor ainda serve de referência para o cálculo do mínimo salarial de técnicos de enfermagem (70%), auxiliares de enfermagem (50%) e parteiras (50%). O impacto fiscal para os cofres públicos, segundo a Confederação Nacional dos Municípios, será de R$10,5 bilhões ao ano.