Espera-se que o presidente chinês, Xi Jinping, assegure um inédito terceiro mandato no 20º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC), que começa neste domingo (16).
Com isso, Xi consolidaria sua posição como o líder chinês mais poderoso desde Mao Tsé-tung. Apesar da desaceleração da economia e das crescentes tensões geopolíticas com o Ocidente, não parece haver um forte descontentamento com as políticas de Xi dentro do partido.
Numa reunião final dos principais líderes antes do congresso conhecido como Sétimo Plenário, o Comitê Central do partido elogiou as realizações “incomuns e extraordinárias” obtidas nos últimos cinco anos, refletindo o forte controle de Xi sobre o PCC.
Também aprovou o relatório político que Xi apresentará no início do conclave, estabelecendo as prioridades políticas do partido em todas as áreas-chave pelos próximos cinco anos.
Em rara demonstração de desaprovação, no entanto, no início da semana, uma faixa foi desfraldada no viaduto Sitong, no distrito de Haidian, na capital chinesa, com os dizeres: “Precisamos de comida, não de testes de covid. Queremos liberdade, não lockdowns”, em referência à estrita política chinesa de zero covid . “Queremos dignidade, não mentiras. Precisamos de reforma, nenhuma revolução cultural”, dizia a faixa branca em letras vermelhas. “Queremos votar, não um líder. Não ser escravos, ser cidadãos.”
O jurista chinês radicado nos Estados Unidos Teng Biao descreveu o protesto como “uma ação muito corajosa”. “Às vésperas do 20º Congresso do Partido, foi particularmente chocante ver slogans contra a ditadura de Xi Jinping. Embora isso não mude a situação política na China, é um movimento muito simbólico.”
Faixa de protesto em viaduto de Pequim foi rapidamente retirada por autoridades chinesas — Foto: AP
Wu-Ueh Chang, professor de estudos chineses da Universidade Tamkang, em Taiwan, está certo que Xi garantirá um terceiro mandato, e a razão “é que ele removeu o limite para o mandato presidencial em 2018 e não designou um sucessor que se enquadre nos critérios para se tornar o próximo secretário-geral do PCC”.
Há, no entanto, apreensão de que os esforços de Xi para ampliar seu mandato ou mesmo permanecer no poder indefinidamente possam ter um efeito desestabilizador sobre o partido, podendo comprometer o procedimento estabelecido de transferência de poder e agravar o risco de lutas intrapartidárias pelo poder.
“Se o PCC puder ter uma sucessão ordenada, em que cada líder tenha dois mandatos e um sucessor seja designado antecipadamente, eles poderiam reduzir o risco de lutas pelo poder”, crê Andrew Nathan, professor de ciência política da Universidade de Columbia nos EUA. “Como Xi está prestes a assumir um terceiro mandato, isso desestabiliza o sistema sucessório. Se algo acontecer enquanto ele estiver no cargo, há o risco de uma sucessão irregular, que seria uma luta pelo poder.”
Além de abolir tradições de longa data, Xi também centralizou o poder ao seu redor na última década. Patricia Thornton, professora associada de política chinesa na Universidade de Oxford, ressalta que quando Xi chegou ao poder em 2012 havia um consenso dentro do PCC de que o partido precisava ser muito mais assertivo para “corrigir a parte menos disciplinada e dominada pela corrupção”.
“Desde o início, ele embarcou numa trajetória com o consenso da liderança do partido. Mas Xi conseguiu usar uma crise e o enquadramento da crise para avançar uma agenda de liderança que foi realmente capaz de centralizar bastante poder em suas próprias mãos.”
Thornton aponta para a campanha anticorrupção que Xi lançou depois de assumir o poder em 2012. A repressão, que durou um ano e prendeu mais de 4,7 milhões de funcionários, permitiu ao líder chinês refazer a liderança partidária e colocar os leais a ele em posições-chave. “Muitos que estudaram a campanha anticorrupção concluíram que metade de seus alvos pode ter sido por motivação política.”
Xi também implementou uma série de mudanças ideológicas, institucionais e organizacionais que levaram à concentração de ainda mais poder ao seu redor. “Um dos perigos reais que estamos começando a ver é a supercentralização do poder. Ao consolidar tanto poder e controle no topo, houve um efeito desestabilizador dentro do Partido Comunista Chinês”, salienta a professora de Oxford.
O jurista chinês Teng concorda com essa avaliação: “Xi transformou o partido, de ditadura coletiva em ditadura personalista.”
Área interditada em Xangai: política de zero covid gera insatisfação com governo chinês — Foto: Aly Song/REUTERS
Haverá uma grande remodelação de lideranças no congresso, com a expectativa de que vários membros do Comitê Permanente do Politburo, de sete membros – o órgão mais poderoso do PCC –, deixem o cargo.
Como o primeiro-ministro Li Keqiang deve se aposentar em março de 2023, a decisão sobre quem o substituirá como o segundo mais alto funcionário do país deve ser observada com atenção.
Possíveis sucessores incluem o atual vice-primeiro-ministro, Hu Chunhua, e Wang Yang, presidente do Comitê Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, atualmente o quarto mais alto funcionário do partido.
Wang Hsin-Hsien, especialista em política chinesa da Universidade Nacional Chengchi, em Taiwan, acredita que a decisão final será ditada por Xi, e sua preferência, assim como a lealdade política desses indivíduos, serão os principais critérios.
“A partir dessa perspectiva, Wang Yang pode ser mais adequado do que Hu Chunhua, pois trabalhou bem com Xi nos últimos cinco anos, lidando com sucesso com questões relacionadas a Taiwan, Xinjiang, Tibete e o Departamento de Trabalho da Frente Unida”, afirma, referindo-se à divisão que atua em comunidades chinesas no exterior para promover a agenda política de Pequim
Andrew Nathan, da Universidade de Columbia, acredita que Xi provavelmente se cercará de mais funcionários leais, que não têm uma base de poder independente para desafiá-lo
Embora seu poder político pareça incontestável, Xi vem enfrentando pressão crescente a respeito de outras questões, incluindo uma economia em rápida desaceleração, a repressão governamental a gigantes da tecnologia e o impacto econômico da rigorosa estratégia de zero covid.
Em relatório publicado pela Fundação Jamestown em setembro, Alicia García-Herrero, economista-chefe para a Ásia-Pacífico do banco de investimentos Natixis, previu que a China não seria capaz de atingir a meta de crescimento econômico de 5,5% para 2022.
Enquanto Pequim sinaliza a intenção de manter sua controversa estratégia de zero covid, García-Herrero pondera que as perspectivas de crescimento provavelmente permanecerão abaixo do esperado em 2023. “Por causa de um terrível 2022, a China não precisa fazer muito para crescer mais rápido em 2023, mas os problemas que estamos vendo permanecerão e provavelmente se tornarão mais agudos em termos de custo econômico.”
Nathan não espera grandes mudanças nas políticas doméstica e externa da China sob o terceiro mandato de Xi. “Acho que o tom vai ser continuar a missão, que é o ‘sonho da China’, e é isso que ele está tentando fazer”, frisa o especialista. “Há quem diga que tentará atacar Taiwan nos próximos cinco anos, mas acho que não. Ele mudará sua política de covid? Acho que não.”
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