Oportunidade e investimento. Os artistas independentes da música brasileira fazem verdadeiros milagres para produzir shows e álbuns tão consistentes basicamente com um único investidor: eles mesmos.
Mas uma hora bate o cansaço de ter forças para desenvolver uma carreira, fazer músicas, clipes, e ainda ser o único responsável por bancar sozinhos tudo da carreira — e por tantos anos.
O podcast g1 ouviu entrevistou Johnny Hooker, Luedji Luna e Karina Buhr, que contam os bastidores nada glamurosos de quem vive de música independente no Brasil. Ouça abaixo:
As carreiras são consistentes, os públicos são fiéis, mas rola uma dificuldade, muitas vezes frustrante, de furar a bolha da “MPB alternativa” e chegar ao mainstream.
Mas a dificuldade deles não é a mesma de qualquer artista? Não. A música pop do Brasil e do mundo só funciona a partir de algum investimento. Tradicionalmente, as gravadoras faziam este papel. Hoje este aporte vem também de escritórios, como no sertanejo.
Não que o lugar de maior visibilidade da cadeia da música não tenha seus problemas ou desafios, mas dá para afirmar com alguma segurança que dinheiro não é o primeiro deles.
Os fatores apontados pelos artistas variam: falta um investimento massivo como o que outros gêneros recebem, como o funk e o sertanejo, falta interesse de marcas para patrocinar projetos desses artistas, faltam subsídios governamentais focados na cadeia produtiva da música.
Apesar disso, os três cantores ouvidos pelo g1 ressaltam que conseguem viver bem com os shows que vendem, com o que é pago de direito autoral ou até com outras formas de trabalho, ainda que dentro do campo da cultura.
Johnny Hooker durante show no Parque da Independência, no Ipiranga, em comemoração ao Bicentenário da Independência do Brasil — Foto: Fábio Tito/g1
O pernambucano Johnny Hooker precisou fazer um desabafo nas redes sociais para mostrar que tinha lançado música nova, “Cuba”.
“Não há mais demanda pelo meu trabalho. Se é que houve um esboço de algum dia. É preciso saber a hora de se retirar”, ele chegou a escrever no Twitter ao ver que o single tinha apenas 13 mil plays.
O tom de frustração e cansaço também se repetiu na entrevista ao g1, quando o cantor de 35 anos explicou como se organiza na carreira. É tudo autogerido por ele e, principalmente, reinvestido.
Cada trabalho que entra é uma chance de colocar dinheiro na carreira e é assim que acontece desde 2015, no lançamento do primeiro álbum, “Eu vou fazer uma macumba para te amarrar, maldito”.
“Você vai tentando fazer com seu trabalho chegue em mais pessoas, mas chega um momento no Brasil que você percebe que não adianta, porque o dinheiro que você tem para investir não é o suficiente para fazer sair da bolha”, diz.
“Não importa o quanto você trabalhe, quantas coisas lindas e importantes você lance, o legado que você está construindo…”.
Capa do álbum ‘Orgia’, de Johnny Hooker — Foto: Divulgação
Para Hooker, a volta da pandemia foi ainda pior para o midstream, espaço dos artistas que são conhecidos por determinado grupo ou número de pessoas, mas que ainda não chegaram ao nível de ser um nome amplamente conhecido nacionalmente.
“A nossa música pop tem tanto potencial quanto as músicas que estão tocando na rádio, quanto as músicas que estão no Top 50 do Spotify. O que falta para a gente é oportunidade”, defende.
“A gente faz tudo com R$ 2,50 competindo com caminhões de R$ 5 milhões de reais por lançamento, mas sofre as mesmas pressões de quem tem R$ 5 milhões de reais no caminho. Eles querem que o nosso carro velhinho entregue a mesma potência do jatinho deles, mas não dá, precisa de investimento”.
Luedji Luna no Mita Festival 2022 — Foto: Divulgação/Ariel
Luedji Luna parafraseia “Um Corpo No Mundo”, música que dá título ao álbum de estreia, para dizer que é “extremamente cansativo você ser a ‘sua própria embarcação”.
“Às vezes você quer ter um motor ali empurrando seu barquinho, você quer ter alguém ali para que reme com você. É cansativo você ser a sua única investidora sempre”.
Na sequência, enumera todos os custos recentes que teve para realizar uma turnê internacional, como visto, passagem, preço do dólar…
“Estou nos festivais, tenho público, tenho seguidores, mas que não chega a um milhão, meus shows dão sold out, minha carreira é respeitada pela crítica. Isso não é o suficiente para eu ter esse motor?”.
Ela foi indicada ao Grammy Latino com o álbum “Bom Mesmo é Estar Debaixo D’água” e cantou na premiação em Las Vegas no ano passado. Até o final do ano, deve sair com uma edição deluxe do disco, com 10 músicas inéditas.
A cantora baiana que estourou com “Banho de Folhas” em 2017 até pode estar no Instagram “dando close”, como ela mesma diz, mas não se engane. O lugar que Luedji quer estar é no estúdio, produzindo música ou cantando em cima do palco.
Além da falta de investimento externo, Luedji também percebe que o sucesso na internet é um grande balizador do que vira sucesso ou não.
Luedji Luna e Liniker se apresentam no palco Sunset neste domingo (11) — Foto: Stephanie Rodrigues/g1
“Além de ser artista, de criar, de gravar, além de fazer show, além de se cansar, ter saúde, você ainda tem que estar ali se expondo 24 horas para você ter engajamento e assim ter seguidor. A internet é a grande régua para determinar quem tem valor aqui não tem, isso é um ponto”.
“Acho que é inegável o fato de ser mulher e preta isso dentro da estrutura de um país como o Brasil. Então tudo atravessa também essa questão racial”.
Karina Buhr — Foto: Priscilla Buhr / Divulgação
A carreira de Karina Buhr começou nos maracatus de Recife ainda nos anos 90. Quase 30 anos depois, ela ainda não conseguiu ter uma agenda estável de shows.
A meta é fazer 12 por mês, mas ela não consegue lembrar quantas vezes chegou nesse número.
Na pandemia, Karina acompanhou de perto a situação crítica pela qual músicos e mestres de coco de roda e de maracatu passaram sem apresentações. Tanto que nem se sente bem em “reclamar”: “Foi difícil para mim, mas para muita gente foi pior”.
“O mercado sempre foi contra a maioria, só que está mais predatório, porque e, principalmente, com a pandemia quem trabalha com isso não pôde realmente fazer o seu ofício”.
Karina Buhr terminou de escrever o livro ‘Maina’ na pandemia — Foto: Reprodução/Instagram/Karina Buhr; Duda Portella
“Quando passa a ser só o digital aí acabou para a maioria, né? Porque realmente só consegue sobreviver nesse modelo quem está no mainstream. Precisa-se entender como é que vai ser daqui para frente, porque em tese teria lugar para todo mundo, cada um no seu lugar”.
Foi nesse mesmo período de incertezas que a música deixou de ser a protagonista do orçamento da artista que nasceu em Salvador, mas foi criada em Recife e hoje vive em São Paulo.
Ela faz ilustrações, escreve colunas, compõe para trilhas de cinema e acredita que essa visão mais aberta deve permanecer no pós-pandemia. Na pandemia também escreveu “Mainá”, seu primeiro romance.
“Eu fazia música de principal, mas estava ali desenhando, escrevendo e agora está tudo mais ou menos no mesmo lugar. É isso, vamos ver, não sei se alguém sabe direito [o que vai acontecer ]”.
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