Cat Power diz que foi morar em Miami depois de procurar casa no Rio: ‘Amo a cultura brasileira’ | Música

Nesta quarta-feira (12) a cantora que virou ícone de uma geração de indies tristonhos com o álbum “Moon Pix” (1998), se apresenta no Popload Festival, em São Paulo. O festival também tem Pixies, Cat Power, Chet Faker e mais – veja a programação completa.

A entrevista dela com o g1 foi tão surpreendente quanto os shows. A artista, que completou 50 anos de idade em 2022, disse que:

  • Já procurou casas para morar em Santa Teresa, no Centro do Rio. Depois, pensou que não seria seguro vir sem conhecer ninguém, e escolheu um lugar parecido e cheio de brasileiros: Miami, onde mora há 20 anos.
  • Também no Rio ela começou e nunca terminou uma música sobre a dor de ter perdido o primeiro amor dela. Ela chegou a gravar a música numa fita, mas perdeu.
  • Lana Del Rey mandou mensagens para Cat Power durante anos, mas ela nunca viu, pois tinha largado o Twitter. Elas se conheceram pessoalmente, gravaram juntas em 2018. Agora, Cat Power gravou “White Mustang’, de Lana Del Rey, para “Covers” (2022), seu 11º álbum.

Além da decepção amorosa, Cat Power também se abre sobre a decepção musical após ser “despejada” do selo Matador em 2018:

“Isso partiu meu coração e meu espírito. Eu não pedi para ser uma mulher forte, mas eu sou. É assim que as mulheres fortes são criadas: quando elas têm o coração partido.”

Leia a entrevista abaixo:

g1 – Na última vez que você cantou no Popload Festival em São Paulo, você fez um show no metrô da cidade também. Você se lembra?

Cat Power – Sim, foi incrível, fiquei tão feliz. Esse foi um dos meus shows preferidos. As pessoas sempre me perguntam qual foi meu show preferido, e um deles foi na Sicília (na Itália), em um convento antigo que os punks ocuparam nos anos 90. Era uma noite de lua cheia, os sinos da igreja tocavam, estava chovendo, e eu soava como o Led Zeppelin sozinha, foi incrível. E o outro foi esse no metrô. Foi maravilhoso.

g1 – Você se lembra de quem foi a ideia? Eu não consegui chegar lá a tempo, mas fiquei sabendo que tinha muito barulho da estação, dos trens, mas foi ótimo.

Cat Power – Não sei, provavelmente minha. Mas uma coisa que quase ninguém sabe sobre mim é que eu amo trens. Qualquer tipo de trem. E esses barulhos não foram um problema, de jeito nenhum.

Cantora americana Cat Power faz show gratuito no Metrô de São Paulo

g1 – Em 2013 você disse (para o jornal ‘O Globo’) que tinha começado a escrever uma música sobre o Rio. Você chegou a terminar a música? Como ela é?

Cat Power – Eu só sei umas partes da letra, porque foi há tanto tempo. Eu gravei, como faço com minhas coisas, em uma fita cassete no meu quarto. Mas eu perdi a bolsa com a fita. Não tenho mais. Posso me lembrar de uma parte da letra, e tenho esse sentimento comigo.

Eu comecei a escrever essa música em um barco. Ela é muito triste, é sobre meu primeiro amor. Ele estava no barco comigo. É muito triste mesmo. Talvez seja por isso que eu a perdi. Mas era um dia lindo e é uma cidade linda.

g1 – O Rio é uma cidade bonita para se sentir triste lá mesmo. Como a bossa nova, que tem muitas canções melancólicas. Parece que atrai. Queria poder ouvir essa música, mas você perdeu a fita mesmo?

Cat Power – Sim, a fita já era. Tem um pouco na cabeça, talvez eu possa voltar a trabalhar nela. É muito pesada para mim, talvez seja por isso que eu nunca foquei nela, porque foi muito doloroso perdê-lo.

Eu escrevi “Bully” para a mesma pessoa, que é muito dolorida também (A música “Bully” está no álbum “Sun”, de 2012, lançado logo após ela terminar um relacionamento de sete anos com o ator Giovanni Ribisi, de “Friends” e “Avatar”. Mas ela não cita o nome dele na entrevista nem dá outra indicação se ele é realmente o personagem das músicas). Mas, enfim, eu vou trabalhar nela. Vou chegar lá, prometo.

Cat Power no Brasil em 2010 — Foto: Daigo Oliva/G1

g1 – Você vive em Miami há 20 anos. É uma cidade com muitos brasileiros. Você tem algum interesse pela música ou cultura daqui?

Cat Power – Uma grande parte do motivo de eu ter me mudado para Miami é porque eu ia me mudar para o Rio. Eu achei umas casas em Santa Teresa. Foi há muito tempo, e eu pensei: ‘Eu vou me mudar’. Mas também pensei que precisava me proteger, e ter noção da realidade. Eu não conhecia ninguém no Rio. Então não achei que seria inteligente desaparecer assim. Então eu tentei ir para a Cidade do México. E depois eu decidi ir para Miami.

Eu sou do tipo de pessoa que gosta do anonimato. Se eu fosse o Jack White, com o cabelo azul, as pessoas iam saber quem eu sou. Mas as pessoas não me notam, e isso é um grande luxo, porque eu quero interagir com todo mundo na rua. Gosto de ouvir as músicas, falar com os músicos, é de minha natureza ser amigável, viver toda essa experiência. Aprender as palavras, saber como as pessoas vivem. Tipo: “Como vocês fazem a feijoada?”. Sou curiosa sobre tudo.

Por isso eu amo viver em Miami e a cultura brasileira, e não tem só ela. Tem a América do Sul inteira, o Leste Europeu, o Haiti, as Bahamas, a Jamaica. É um ponto central. As pessoas falam de Nova York, que lá você pode ganhar dinheiro lavando pratos, realizar seus sonhos. P* nenhuma. Miami é que é assim, e tem todas as línguas, a beleza, o mar. Eu amo Nova York, mas f*-se Nova York.

Cat Power — Foto: Jason Merritt/Getty Images/AFP

g1 – Você disse em fevereiro para a “NME” que você “não se se sentia parte de nenhuma comunidade musical” quando lançou seu disco anterior (“Wanderer”, de 2018). Mas você tem essa conexão clara com a Lana del Rey (as duas cantaram juntas no disco e agora Cat Power gravou uma versão de ‘White Mustang”). E dá para ouvir esse seu jeito de tocar e cantar suave e meio chapado na Billie Eilish, no Frank Ocean, o seu estilo é muito atual. Como é que você ficou “sem comunidade musical”?

Cat Power – Eu fui abandonada pela minha gravadora (Matador, um dos selos indies mais importantes dos EUA). Eu conheci os caras quando tinha 20 anos, achei que eram minha família, e eles me largaram e me falaram que meus discos eram uma m*rda.

Isso partiu meu coração e meu espírito. Eu não pedi para ser uma mulher forte, mas eu sou. É assim que as mulheres fortes são criadas: quando elas têm o coração partido.

Mas quando eles partiram meu espírito, foi uma bênção que meu filho tenha vindo ao mundo, porque você não conseguia me derrubar por conta do meu filho. Quando ele nasceu eu fiquei mais forte do que nunca, e tive que aprender isso.

Então sou grata por eles terem me “largado”, porque pude ver muito rapidamente quem eram meus verdadeiros amigos. E isso também foi doloroso. Por isso eu me senti completamente desconectada. Por um ano eu não podia nem marcar shows. Tinha uma lista negra rolando. E eu não era liberada.

Foi difícil. O Nick Cave e o Warren Ellis (do Bad Seeds) me chamaram para abrir para eles na Costa Oeste, e isso me fez bem, porque os conheço há tanto tempo, e foi como um chamado de família.

E aí eu encontrei a Lana Del Rey, e ela falou: ‘Por que você nunca me responde no Twitter?’. E eu fui voltar no meu Twitter depois que a encontrei e vi que ela tentou conversar comigo lá durante anos. E eu tinha largado o Twitter, porque eu sempre era hackeada.

Mas aí ela me chamou para abrir os shows dela na Europa. Ela é uma estrela, e não poderia ser mais pé no chão, engraçada demais, uma garota ótima, muito mais esperta do que a idade dela. Ela me fez sentir que eu não estava sozinha. Por isso eu a amo tanto.

E, para responder a sua pergunta, eles me lembraram (e eu precisava ser lembrada disso) que eu sou parte da cultura, parte dessa corrente.

g1 – Sua música já foi rotulada como “sadcore”, mas você já disse que há muito mais do que tristeza. A versão de “White Mustang” da Lana Del Rey no seu novo disco parece querer revelar a força e a coragem que existem por trás dos versos tristes. Foi isso?

Cat Power – Obrigada. Sim, a arte ajuda a definir minha vida, e ela faz isso com as pessoas.

Quando eu era nova, eu estava triste, eu precisava de ajuda de verdade. Eu precisei de estabilidade mental durante toda a minha vida, e eu não tinha. Então eu carregava isso no meu coração. Mas com todas as músicas que fazia eu ficava triunfante, não triste. Todas as músicas eram um triunfo.

Agora que eu sou mais velha, eu acho que tem a ver com aceitação. Aceitar as coisas que você não pode mudar. Tem uma frase nos Alcoólicos Anônimos, a oração que a Sinead O’Connor faz (na música “Feel so different”). “Deus, me dê a serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar. Coragem para mudar as coisas que eu posso. E sabedoria para ver a diferença”. Eu acho que a coragem é essa. De fazer essas três coisas.

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