Casamento mantido em segredo por décadas, polarização com muçulmanos e líder de economia em alta: quem é Narendra Modi, premiê reeleito na Índia


Primeiro-ministro vai para o terceiro mandato na maior democracia do mundo: no total, 642 milhões de pessoas votaram. Narendra Modi em 1º de junho de 2024
Rajesh Kumar Singh/AP
O primeiro-ministro Narendra Modi, de 73 anos, se tornou nesta terça-feira (4) o segundo líder da história da Índia a ser eleito pelo terceiro mandato consecutivo —além dele, apenas Jawaharlal Nehru, a primeira pessoa a governar o país, teve três mandatos consecutivos de primeiro-ministro.
Modi, que chegou ao poder em 2014, reivindicou a vitória e agora deverá ficar no cargo até 2029.
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O partido dele, o Bharatiya Janata (BJP, na sigla em inglês), teve um desempenho pior nas eleições deste ano do que em 2019, quando conquistou sozinho a maioria dos assentos.
De acordo com a agência de notícias Associated Press, a contagem mostra que a coligação política do BJP com os aliados regionais chegou a 286 assentos, o que garante a maioria do Parlamento.
Agora, no entanto, o BJP precisará fazer acordos com os aliados regionais.
De vendedor de chá a primeiro-ministro
O primeiro-ministro tem altas taxas de aprovação, e o resultado aquém do esperado pode ser um sinal de que as perspectivas estão mudando para ele.
Modi nasceu em 1950 em uma família pobre, de seis filhos. A Índia é um país dividido em castas: a família de Modi é da casta ghanchi, considerada baixa.
O pai de Modi produzia óleo de cozinha e vendia chá em uma loja perto de uma estação de trem em uma pequena cidade no estado de Gujarat. O atual líder da Índia gosta de dizer que quando ainda era criança ajudava a família na loja de chá.
Agora, o partido de Modi ganhou a maioria dos assentos no Parlamento pelo terceiro mandato seguido. No total, 642 milhões de pessoas votaram, no maior processo democrático do mundo.
O casamento que Modi escondeu por 50 anos
Segundo a biografia no site do gabinete do primeiro-ministro, ainda muito jovem, o atual líder começou a militar politicamente em uma organização nacionalista chamada RSS, fundada em 1925. De acordo com um artigo de abril deste ano publicado no jornal inglês “The Guardian”, a RSS era uma organização paramilitar de direita cujo projeto era transformar a Índia em um país oficialmente hindu.
Segundo uma reportagem de 2015 do jornal “The Washington Post”, aos 18 anos Modi se casou em uma cerimônia arranjada com uma menina de 17 anos.
Houve um evento familiar para celebrar a união, mas, na prática, os dois nunca foram de fato um casal e se encontraram poucas vezes na vida. Isso porque a RSS, a organização nacionalista da qual Modi fazia parte, não queria que seus militantes se casassem, o que o fez esconder o casamento durante quase cinco décadas.
Em 2014, Modi teve que preencher um documento de candidato em que ele deveria listar suas posses e as da mulher. Foi nesse questionário que reconheceu que tinha uma esposa (ainda que tenha deixado o espaço com as posses dela em branco).
Durante sua carreira, ele explorou politicamente a suposta condição de solteiro, dizendo que, sem família, ele não teria motivos para ser corrupto.
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Mil pessoas assassinadas
A RSS criou o Partido Bharatiya Janata (BJP, na sigla em inglês), e Modi, que estudou Ciência Política na Universidade de Gujarat, se tornou um quadro político da legenda. Em 2001 o BJP venceu as eleições no estado de Gujarat, e ele virou o ministro chefe regional.
Pouco tempo da posse dele, houve uma série de eventos violentos em Gujarat. Um grupo de peregrinos hinduístas estava viajando pelo estado. Houve uma briga no trem que os levava, colocaram fogo no vagão, e 59 peregrinos morreram.
Começou a circular a informação de que as mortes foram causadas por ataques de muçulmanos. Grupos de hinduístas, então, atacou os bairros muçulmanos em represália. Segundo o jornal “The Guardian”, houve tortura, estupros em massa e mais de mil pessoas morreram (800 delas eram muçulmanas), e a polícia foi acusada de ter sido pouco ágil.
Modi seguiu como líder do estado de Gujarat por 12 anos e, em 2014, se tornou primeiro-ministro pelo BJP. Ele venceu a primeira eleição com a promessa de crescimento econômico e mudanças políticas.
Transformação da Índia
O atual primeiro-ministro liderou o país durante um período de transição de uma economia rural para industrial.
Ele tenta usar a grande quantidade de indianos (a Índia se tornou o maior país do mundo) como uma vantagem competitiva —é mão de obra para transformar a Índia em uma potência manufatureira. Agora, Modi promete tornar a economia da Índia a terceira maior do mundo, atrás só dos EUA e da China.
A economia está crescendo a 7% ao ano, e mais de 500 milhões de indianos abriram contas bancárias durante seu mandato, uma etapa muito importante para formalizar a economia e aumentar a arrecadação de impostos.
Sua administração também investiu na infraestrutura do país para atrair investimentos.
A pobreza ainda prevalece. A renda média anual é de R$ 14.500, mas quase 90% da população em idade econômica ganha menos do que isso, de acordo com um estudo do World Inequality Lab.
O 1% mais rico possui mais de 40% da riqueza do país, enquanto os 50% mais pobres possuem apenas pouco mais de 6%, segundo o estudo.
Programas sociais
O governo gasta mais de US$ 400 bilhões em subsídios e transferências de dinheiro para famílias pobres.
Os programas assistência social atendem cerca de 60% da população. Um deles é a distribuição de 5 kgs de arroz ou trigo por mês para 821 milhões de pessoas.
Segundo uma reportagem do “The New York Times” de maio de 2024, esse programa começou na pandemia. Desde janeiro deste ano, os sacos de arroz ou de trigo vêm com o rosto de Modi estampado.
Também há um programa social para construir e reformar casas, banheiros e estrutura de água e esgoto.
O governo incentivou o acesso aos serviços bancários e criou um programa de carteira de identidade para todos. Isso facilitou as transferências de dinheiro para beneficiados (quando os indianos não tinham contas no banco, era comum que intermediários ficassem com o dinheiro de assistência social).
Polarização com os muçulmanos
O BJP é um partido hinduísta nacionalista. Durante a campanha eleitoral deste ano, Modi e o partido repetiram uma teoria conspiratória segundo a qual os muçulmanos se tornarão maioria na Índia porque os muçulmanos têm mais filhos.
O próprio Modi disse que havia “infiltrados” muçulmanos em um comício.
Os críticos do primeiro-ministro afirmam que o governo dele persegue as minorias religiosas, especialmente os muçulmanos, que são cerca de 200 milhões no país de 1,4 bilhão de pessoas.
O programa de rádio
Modi tem um programa de rádio em que ele dá conselhos práticos –são dicas de escola para estudantes, recomendações para que as pessoas não desperdicem água e temas práticos e da vida familiar.
De acordo com o “New York Times”, ele fala da infância humildes e se apresenta como um líder acessível e empático, um “amigo do povo”. O BJP seleciona trechos desses programas de rádio para publicações em redes sociais.
No entanto, ele não dá entrevistas coletivas em seu próprio país. Segundo a rede americana CNN, durante os anos de Modi no poder, jornalistas foram presos acusados de violar a lei antiterrorismo, pela qual é possível prender uma pessoa sem nenhuma acusação por 180 dias.
Narendra Modi em 22 de maio de 2024
Adnan Abidi/Reuters

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