BANZEIRO ÒKÒTÓ: A Amazônia como Centro do Mundo, por Eliane Brum | Traduzido por Diane Whitty
Entre os últimos recrutas de especuladores de terras no Brasil estavam grilos vivos. Após a lavratura de um título falso para a transferência de terras públicas para mãos privadas, o documento foi colocado em uma caixa com um dos insetos, cujos excrementos e mordidelas davam ao papel uma aparência de idade autêntica. A virtual impunidade concedida por sucessivos governos brasileiros a grileiros – “jogadores de críquete” – e seus companheiros grileiros piorou o desmatamento em massa na Amazônia.
Mas como a jornalista e ativista brasileira Eliane Brum enfatiza em seu veemente novo livro, a devastação tem sido mais frequentemente resultado de políticas públicas. “Banzeiro Òkòtó” é ao mesmo tempo uma obra de reportagem, um manifesto de transformação social e agrária e nada menos que um projeto para uma nova cosmografia. Em uma era de colapso climático, Brum insiste, o “centro do mundo” não é, digamos, Delfos ou Jerusalém, nem mesmo um de nossos modernos centros de influência política: é, é deve seja, a Amazônia.
Em 2017, Brum estava tomando uma taça de vinho em sua casa em São Paulo quando ficou impressionada com a gravidade de uma decisão que havia tomado: ela estava prestes a desistir de seu casamento de 15 anos e se mudar para Altamira, a cerca de 2.300 quilômetros de distância. Situada na confluência de dois dos grandes rios do Amazonas, o Xingu e seu afluente, o Iriri, Altamira tornou-se uma das cidades mais violentas e sem lei do Brasil. O que levou Brum a abandonar sua confortável vida metropolitana foi a convicção jornalística de que Altamira também era uma linha de frente crítica.
A crise social de Altamira pode ser atribuída em grande parte à construção da hidrelétrica de Belo Monte, que foi concluída em 2019 e provocou um influxo de trabalhadores migrantes e uma crise de refugiados. Os deslocados incluem três grupos principais: não apenas os indígenas da floresta, mas também os descendentes de africanos escravizados conhecidos como quilombolase beiradeiros — “intermediários”, na definição de Brum, mas mais literalmente “moradores ribeirinhos” — cujos ancestrais chegaram à Amazônia como seringueiros contratados no século XIX.
Ler “Banzeiro Òkòtó” às vezes é como navegar nas corredeiras do Xingu, ao mesmo tempo desorientador e revigorante. Como a meticulosa tradutora de Brum, Diane Whitty, reconhece em seu posfácio, a prosa – enigmática, elíptica, às vezes complicada – não é um passeio no parque, nem deveria ser. Em “Tristes Tropiques” (1955), sua clássica pesquisa sobre os grupos indígenas da Amazônia, Claude Lévi-Strauss reflete sobre a história exploradora da escrita, sugerindo que “a função primária da comunicação escrita é facilitar a escravidão”. O que Brum busca, às vezes freneticamente, é uma forma literária que liberte, honrando a Amazônia e seu povo enquanto documenta uma época em que a humanidade deve “se reinventar para viver em um ambiente hostil”.
Sob o presidente Jair Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia aumentou cerca de 60%. Seu sucessor de esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva, prometeu, quando assumiu o poder em janeiro, reverter essa devastação; mas, como observa Brum, foi ele quem deu luz verde a Belo Monte durante seu governo anterior, “prova eloqüente de que toda tonalidade ideológica vê a Amazônia como um corpo a ser dominado e explorado”.
Brum pode suspeitar do “dogma da esperança”, então, mas ela nunca cai no cinismo ou no desespero. Em vez disso, ela oferece comunidade, solidariedade, desenvoltura e um desafio revigorante. Os indígenas da Amazônia, lembra ela (citando o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro), “são especialistas no fim do mundo, porque o mundo deles acabou em 1500”, com a chegada dos primeiros invasores brancos. Essas mesmas pessoas podem, se tivermos sorte, “nos ensinar a viver depois do fim do mundo”. Podemos esperar.
William Atkins é o autor de “Exiles: Three Island Journeys”.
BANZEIRO ÒKÒTÓ: A Amazônia como Centro do Mundo | Por Eliane Brum | Traduzido por Diane Whitty | 397 pp. | Imprensa Graywolf | Brochura, US$ 18
Estudantes de colégio em São Mateus, no Norte do Espírito Santo, participam da projeto 'Xadrez…
Manahel al-Otaibi, de 29 anos, tinha feito apelos para o fim do sistema de tutela…
De chinelos e calções, um dos melhores soldados de uma força de resistência que luta…
Em 19 de março, Volker turcoo chefe dos direitos humanos das Nações Unidas, disse em…
Imagens da passagem da cantora pelo Rio de Janeiro. O show de Madonna no Rio…
Levantamento da Confederação Nacional dos Municípios aponta que 2,4 mil prefeituras disseram não ter condições…