A campanha de Bolsonaro elegeu o aborto com um dos temas para atacar Lula na semana passada, mas, obviamente, escondeu um discurso feito pelo presidente, quando era deputado pelo PDC, em 1992. Na ocasião, Bolsonaro discursava sobre a necessidade de controle da natalidade do Brasil e defendeu que as pessoas debatessem o assunto com os pés no chão. “De nada adiantam nossas convicções religiosas”, afirmou o deputado para, em seguida, citar a pílula do aborto que a China passaria a distribuir para os cidadãos para controlar a explosão populacional. Bolsonaro, inclusive, pediu à presidência da Câmara que a reportagem sobre a pílula na China, país recordista em abortos no mundo, fosse transcrita para os “anais da casa”.
Disse Bolsonaro: “É preciso, portanto, que todos tenhamos os pés no chão e passemos a tratar desse tema (controle da natalidade) sem demagogia sem interesse partidário ou eleitoreiro, porque de nada adiantam nossas convicções religiosas, políticas ou filosóficas, quando se está em jogo, sem dúvida, uma questão bem mais grave e que, de fato, interessa à segurança nacional. Temos de viabilizar este país e apontar o caminho certo do desenvolvimento social e econômico”.
Bolsonaro relacionou a pílula do aborto à segurança nacional porque, segundo ele, todo ano as Forças Armadas selecionavam anualmente 800 mil homens, mas só 200 mil eram considerados aptos para servir à pátria, já que a maioria era reprovada no exame médico. “Não adianta uma multidão de brasileiros subnutridos, sem condições de servir ao seu País”, concluiu o então deputado.
Diário do Congresso Nacional de 1992 — Foto: Reprodução
A reportagem que o deputado pediu para ficar registrado nos “anais da Câmara” relatava que o governo chinês temia uma explosão populacional em 92, ano do macaco no horóscopo chinês, ideal para gerar filhos, segundo a crendice popular. Como solução, a China passaria a distribuir a pílula RU-486, desenvolvidas na França e que já estavam sendo produzidas em fábricas em Pequim. A Comissão Estatal de Planejamento Familiar chinesa previa distribuição em larga escala até o fim do ano. A China, citada por Bolsonaro, era recordista mundial, com a realização de 14 milhões de abortos por ano.
Para Bolsonaro, era preciso encontrar, com urgência, uma forma legal de promover o controle também no Brasil, “com vista a que o casal possa obter autodomínio físico e psíquico sobre a prole que pode e que deseja ter. Em razão disso, vamos mais longe, pois até mesmo a palavra “planejamento” familiar consideramos inadequada, porque a vemos como expressão de um conceito que não atende à necessidade de que o Brasil tenha um programa oficial voltado ao controle dos índices de natalidade”. O deputado defendeu que o assunto fosse incluído no currículo escolar.
No Brasil, naquele ano, o presidente Collor fazia propaganda da construção de cinco mil Ciacs, escolas inspiradas no modelo dos Cieps que tinham como base o ensino em tempo integral. Para Bolsonaro, o governo deveria investir mais no controle da natalidade e menos em publicidades sobre escolas. “Escola não é creche, não é restaurante, não é jardim de infância”, afirmou o então deputado.