Em entrevista, Luciano Mariz Maia afirmou que cenário atual é mais grave do que há 30 anos. Nas redes sociais, Bolsonaro escreveu que ‘nunca um governo dispensou tanta atenção e meios aos indígenas’. Crianças Yanomami resgatadas neste domingo, 22 de janeiro de 2023
Weibe Tapeba/Sesai/Divulgação
O subprocurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, afirmou em entrevista ao g1 que o discurso do presidente Jair Bolsonaro (PL) nos últimos quatro anos contribuiu para agravar a situação dos indígenas na Terra Yanomami.
Segundo Mariz Maia, a linha de investigação por genocídio conduzida no Supremo Tribunal Federal (STF) contra autoridades da antiga gestão é consistente.
O subprocurador foi um dos autores da denúncia que levou à condenação de cinco garimpeiros por genocídio contra o povo Yanomami em 1993. O episódio terminou com a morte de 16 indígenas da comunidade Haximu.
Para Mariz, a situação atual da Terra Indígena Yanomami é mais grave do que há 30 anos, porque houve incentivo ao garimpo em terras indígenas por parte do Estado e “deliberado enfraquecimento” dos órgãos destinados a proteger e fiscalizar as terras.
Em resposta às acusações de que seu governo tem responsabilidade pelo agravamento da crise dos Yanomamis, o ex-presidente Jair Bolsonaro afirmou no dia 28 de janeiro, pelas redes sociais, que “nunca um governo dispensou tanta atenção e meios aos indígenas” como na sua gestão.
Leia entrevista
Qual a comparação em relação a 1993 e o caso investigado?
Luciano Mariz Maia: Não hesito em dizer que a situação é bem mais grave do que a que nós tivemos anteriormente.
Na situação que tivemos anteriormente, houve um choque de determinados personagens, que exerciam uma atividade específica econômica em que interagiam e geravam atritos com membros da comunidade. Isso resultou na morte de vários desses membros. Mas o Estado brasileiro se posicionou desde o princípio com absoluta clareza do seu dever de investigar, processar e punir.
O que está acontecendo agora é um contexto em que você tem os mesmos fatores de atrito, com elementos muito mais agravantes. Primeiro, a interação e a presença natural de não índios em terras indígenas faz com que eles sejam mais suscetíveis a doenças transmissíveis.
Por outro lado, você teve nos último quatro anos, e um pedaço do governo Temer com a ideia de flexibilizar o usufruto exclusivo dos índios, mas particularmente, nos últimos quatro anos, houve claramente o incentivo por parte do governo federal à presença de garimpo em terras indígenas, particularmente em Roraima, com os Yanomami.
Você passa a ter um deliberado enfraquecimento da presença do Estado, particularmente pelo desmantelamento da Funai e dos órgãos de proteção. Além, da presença de garimpeiros incentivada pelo Estado, que anunciava projeto de lei para liberar terra indígena.
Menina Yanomami com desnutrição grave recebe tratamento no Hospital da Criança, em Boa Vista
Caíque Rodrigues/g1 RR
Se a situação é mais grave do que em 1993, a investigação que corre no STF deveria levar à condenação de autoridades do governo Bolsonaro por genocídio?
Essa situação do garimpo não veio agora com o Bolsonaro. O que aconteceu no governo do 38º presidente, como ele gosta de ser chamado, foi um estímulo a essa atividade.
Um estímulo à presença de estranhos em terras indígenas, um desestímulo aos servidores do Ibama e da Funai, que se sentiram desamparados diante da pressão econômica, política e física das pessoas que se organizam para a atividade do garimpo.
O que eu posso afirmar é que é uma linha de investigação consistente. Agora, você precisa desenvolver um trabalho delicado, subindo a cadeia de comando.
Você vai dentro desse contexto tendo um processo concreto de identificação de quem pode ser responsabilizado pela situação que tenha acontecido.
O MPF atribuiu, em nota, a ‘grave situação’ dos Yanomami à inércia do governo Bolsonaro. Seria caso de omissão dolosa?
Pela Constituição, a União tem o dever de agir. No Código Penal, a omissão é atribuível a quem tem o dever legal de agir.
A partir do fenômeno que se vê no plano local, é preciso subir a cadeia do comando e indagar o chefe do posto, o diretor de operações, o presidente da Funai, o ministro da Justiça e até chegar, se for o caso, nos escalões de poder decisórios. O que eles fizeram e o que disseram que possa ter contribuído para esse estado das coisas.
A redução dos valores destinados, por exemplo, à proteção e fiscalização de terras indígenas e o discurso de incentivo à prática do garimpo podem embasar uma eventual acusação de Bolsonaro e outras autoridades por genocídio?
O Orçamento é montado a partir de ações programáticas. Você vai verificar nos escalões superiores se, da previsão do orçamento da Funai para fiscalização e proteção territorial, quanto foi liberado para ser executado? E de quem foi a decisão?
De repente, você pode até terminar chamando alguém como o Paulo Guedes (ex-ministro da Economia), por exemplo. Isso, hipoteticamente falando.
O que eu posso afirmar, sem medo de errar, é que uma busca fácil no Google indicará discursos do presidente Bolsonaro claramente enfraquecendo as estruturas de fiscalização e proteção do Estado, dando incentivos e motivos aos garimpeiros para ocupação de terras indígenas.
Esse é um fator que aumentou a tensão entre os grupos e demonstrou claramente uma intenção de sobrepor-se aos direitos daquele grupo desfavorecido.
Posso afirmar que o discurso do presidente Bolsonaro aumenta os fatores de risco. A probabilidade de o discurso dele ser levado adiante em uma atividade concreta é maior.
Garimpo ilegal próximo a área de aldeia Yanomami em Roraima. Foto de abril de 2016
Bruno Kelly/Reuters
As ações destinadas à retirada dos invasores têm efeitos localizados e temporários, apontou o MPF. Quais medidas o senhor sugeriria?
Você precisa de uma estrutura poderosa para manter as atividades de garimpo. É preciso tentar identificar todas as áreas e seguir o dinheiro. De onde vem o dinheiro que faz com que o garimpo possa ser mantido lá. O dinheiro para as atividades do garimpo.
Por outro lado, o outro que sai do garimpo está chegando aonde? Quem está comprando esse ouro, como ele está entrando no mercado? É um comércio que é possível identificar.
O que o Estado está fazendo agora é importante, mas há a necessidade de uma sustentabilidade, que um programa como esse possa se tornar permanente. Ou seja, o controle do uso do espaço aéreo, o controle nos voos que vão para aquela região e o controle no funcionamento das casas que negociam com ouro.
Na avaliação do senhor, as declarações do governador Denarium sobre os Yanomami, além do potencial discriminatório, podem ser vistas como um incentivo às práticas ilegais dentro do território indígena?
Essa fala dele reforça o argumento da chamada polarização, do processo de desumanização que acontece contra os índios.
Entretanto, não é competência do poder Executivo Estadual a proteção de terras indígenas. A omissão ali é atribuível às autoridades federais.
Agora, eventualmente uma situação pode se estender naquele contexto geral, no caldo de cultura local, que autoriza viver naquela polarização.
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