Resenha de documentário musical da 24ª edição do Festival do Rio
Título: Andanças – Os encontros e as memórias de Beth Carvalho
Roteiro: Pedro Bronz e Leonardo Bruno
Cotação: ★ ★ ★ ★ ★
♪ Um dos maiores nomes da cultura do Brasil, Elizabeth Santos Leal de Carvalho (5 de maio de 1946 – 30 de abril de 2019) se eternizou como exemplo de integridade musical e ideológica. A dignidade com que a artista conduziu a vida e a carreira é posta em foco, com precisão, nas imagens raras que conduzem o roteiro do primeiro documentário sobre a cantora carioca, devota do samba e da negritude.
Filme que superlotou o cinema Odeon na sessão de estreia exibida na 24ª edição do Festival do Rio na noite de ontem, 11 de outubro, com as presenças do diretor Pedro Bronz e da filha de Beth, Luana Carvalho, Andanças – Os encontros e as memórias de Beth Carvalho é recorte das cerca de 800 horas de imagens e sons captados pela própria Beth em Super 8, VHS, Mini DV, fitas cassete e câmeras fotográficas.
Fora dos padrões de alta definição, a qualidade técnica das imagens oscila sem macular a nitidez da ideologia que espoca na tela em fotos e vídeos nunca vistos. Autor do roteiro, assinado com Leonardo Bruno, o diretor Pedro Bronz conseguiu documentar Beth Carvalho sem precisar recorrer a depoimentos e material externo porque o acervo da artista, além de valioso pelo ineditismo das imagens, é indicador do caráter da cantora.
Está tudo lá no filme, desde a paixão pelo time carioca de futebol Botafogo – simbolizada na estampa da roupa que Beth exibe orgulhosa ao andar pela praia, grávida da filha Luana (cujo nascimento é mostrado na sequência com imagens feitas na sala de parto) – até o encontro com o político cubano Fidel Castro (1926 – 2016).
Sempre alinhada à esquerda, Beth Carvalho cantou sambas que viraram hinos políticos, caso de Virada (Noca da Portela e Gilper, 1981). Imagens de caráter explicitamente político – como a cena de Beth cantando justamente o samba Virada em comício da campanha pelas Diretas Já, ao lado de nomes como Leonel Brizola (1922 – 2004) e Lula, geram entusiástica recepção da plateia pela conexão com o momento do Brasil em 2022.
Só que, de certa forma, tudo é político no documentário Andanças. Em reuniões festivas na casa da artista ou nos estúdios de gravação de discos, as falas cotidianas de Beth são sempre coerentes, seja defendendo ganhos mais fartos para os compositores, seja defendendo a prevalência da negritude na música do Brasil.
Beth Carvalho com Zeca Pagodinho no estúdio e a câmera na mão que gerou material para o filme de Pedro Bronz — Foto: Divulgação / Festival do Rio
Entre posicionamentos pertinentes, o humor se impõe em alguns momentos. Impossível conter o riso diante da perceptível impaciência de Zeca Pagodinho no estúdio ao gravar o samba Dona Carola (Nelson Cavaquinho, Nourival Bahia e Walto Feitosa, 1963) para o álbum Nome sagrado – Beth Carvalho canta Nelson Cavaquinho (2001).
E como resistir à então pequena Luana Carvalho invadindo o estúdio em que Beth gravava o samba Sorriso de criança (Ivone Lara e Delcio Carvalho, 1979) com Elizeth Cardoso (1920 – 1990), para o álbum Saudades da Guanabara (1989), somente para tirar dúvidas gramaticais sobre a palavra apple (maçã, em inglês) com a mãe?
O áudio de Cartola (1908 – 1980) argumentando que o samba-canção O mundo é um moinho (1976) não era talhado para a voz de Beth – “Você vai queimar (a música)”, dizia o bamba diante da própria Beth – também atiça o riso.
Cartola e Nelson Cavaquinho (1911 – 1986) foram compositores decisivos para legitimar a conversão de Beth ao samba a partir dos anos 1970 e, como tal, ganham generosos espaços no roteiro. Assim como a turma de bambas do Fundo de Quintal, músicos e compositores que Beth conheceu em 1977, na quadra do bloco Cacique de Ramos, e com os quais revolucionou a forma de tocar samba no álbum que lançou no ano seguinte, De pé no chão (1978). Vê-se sambistas como Jorge Aragão em início de carreira enquanto Beth explica a revolução.
Mesmo sendo filme autorizado pela família de Beth, Andanças consegue escapar da linha chapa branca. Fica nítido, por exemplo, o temperamento forte dessa cantora que, ao gravar um disco, interferia nos arranjos e nos toques de instrumentos.
Sob tal prisma, a discussão com o maestro Ivan Paulo (1937 – 2018) no estúdio é especialmente reveladora por mostrar artista exigente, às vezes irredutível nas convicções, mas também muito amorosa, como o filme mostra, momentos depois, em take feito em outro estúdio, na feitura de outro álbum, quando Beth faz homenagem ao mesmo Ivan Paulo, que vai às lágrimas ao ler a dedicatória escrita pela cantora para o encarte do disco.
Sem didatismo (é preciso ter uma noção, mínima que seja, de quem foi Beth Carvalho para fruir plenamente o filme), Andanças – Os encontros e as memórias de Beth Carvalho documenta a grandeza de artista que provou que o show tinha que continuar quando, acometida de fortes dores na coluna, se apresentou até deitada. E que, durante longo período em hospital, pediu a Arlindo Cruz um samba, Anjos de branco, para homenagear as enfermeiras.
Beth Carvalho foi grande! E o documentário de Pedro Bronz emociona e se legitima porque expõe na tela a grandeza musical e ideológica da artista-cidadã Elizabeth Santos Leal de Carvalho.
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