Bebê e criança afegãs dormem no chão de aeroporto em SP enquanto famílias esperam ajuda: ‘Temos um campo de refugiados’, diz ativista | São Paulo

A prefeitura de Guarulhos informou nesta segunda-feira (10) que não há mais vagas disponíveis para recebê-los (veja nota completa abaixo).

Imagens feitas pela ativista Swany Zenobini, que acompanha a chegada dos imigrantes desde 19 de agosto deste ano, mostram crianças e bebês dormindo no chão do aeroporto na noite de domingo (9) junto com suas famílias.

O saguão do aeroporto virou uma espécie de acampamento para esses grupos, que colocam no local suas bagagens, roupas e colchões doados por voluntários.

“Oficialmente temos um campo de refugiados estabelecido dentro do aeroporto de Guarulhos. É um absurdo essa situação. É inadmissível isso. Vou continuar cutucando e perturbando quem preciso for para que isso seja resolvido. Na hora de ser voz serei voz, mas na hora de ser braço forte, não pouparei esforços. Tem várias crianças no aeroporto. Se ficar sem abrigo, esse número pode chegar a 200 afegãos esta semana”.

“A solução não é parar de emitir visto humanitário para os afegãos. Eles são profundamente gratos pelo Brasil os ter aceito. A solução é criar políticas públicas e incluir como prioridade a pauta de refugiados. Não adianta só liberar o visto, precisa liberar as condições para receber com dignidade essas pessoas que estão chegando”, enfatiza Swany Zenobini.

Afegãos no Aeroporto de Guarulhos no domingo (9) — Foto: Arquivo Pessoal/Swany Zenobini

A chegada dessas famílias teve início no ano passado, quando as tropas americanas encerraram 20 anos de intervenção militar no Afeganistão e o grupo extremista Talibã voltou ao poder. Em setembro de 2021, o governo do Brasil publicou uma portaria estabelecendo a concessão de visto temporário, para fins de acolhida humanitária, a cidadãos afegãos.

O g1 acompanha a situação dos imigrantes desde o mês passado, quando o aeroporto reuniu mais de 90 afegãos à esperada de abrigos.

“Quando vi a situação no aeroporto, a gente perdeu um pouco da esperança de conseguir algo. Não era para encontrar o povo sem assistência. Mas eu tenho ainda esperança no Brasil de poder trabalhar na minha área no jornalismo. Infelizmente, minha mãe e o meu pai estão no Afeganistão. Por isso, não posso me identificar. Porque, se localizam a minha família, podem oprimir”, disse um ex-apresentador afegão que decidiu morar em São Paulo com a mulher e as duas filhas.

Jornalista afegão com sua mulher e filhos na chegada ao Brasil — Foto: Fábio Tito/g1

Outro afegão, de 30 anos, relatou ao g1 que era diretor de uma empresa comercial e decidiu vir para o Brasil no começo de setembro depois de ficar oito meses no Irã. Ele também preferiu ter a identidade preservada.

“Os iranianos discriminam diretamente o povo do Afeganistão. Pesquisei na internet que seria uma boa opção vir para o Brasil. O custo [da viagem] saiu US$ 2 mil. Agora, não tenho mais como sair daqui. O dinheiro que a gente investiu foi para vir para cá. Não tenho como ir para outro lugar. Pedimos que o governo brasileiro dê um lugar decente para morar, ensinem português. A gente mesmo vai procurar trabalho. A gente não está em busca de benefícios gratuitos. Precisamos de um lugar decente para viver e aprender o idioma para trabalhar”, relatou, antes de ser informado que seria encaminhado para o Centro de Acolhida.

Afegãos no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos — Foto: Fábio Tito/g1

Questionada sobre a chegada de novos grupos no mês de outubro, a prefeitura de Guarulhos informou que até as 10h30 eram 127 afegãos no aeroporto aguardando acolhimento.

“Em Guarulhos não há mais vagas disponíveis para recebê-los. Vale ressaltar que, justamente por conta da alta demanda, Guarulhos abriu, emergencialmente, no dia 10 de agosto, a Residência Transitória para Migrantes e Refugiados, local que tem capacidade de abrigar 27 pessoas e no momento também está lotada”, afirmou o Executivo, em nota.

Ainda conforme a prefeitura, na última sexta-feira (7), para acolher algumas famílias com idosos, deficientes e grávidas que estavam no aeroporto, foram abertas mais 20 vagas de forma completamente emergencial.

“As demais vagas são gerenciadas pelo governo estadual, que recebe atualizações em tempo real do número de pessoas que chegam, mas que também não tem mais vagas no momento. Nós seguimos realizando as solicitações e buscando vagas tanto com o Estado como na rede parceira”.

“O governo federal publicou na última semana uma portaria que destina verbas para Guarulhos e para outras cidades que estão recebendo esses refugiados. Existe um plano de ação para aumentar o número de vagas de acolhimento para afegãos em Guarulhos, mas que somente poderá ser viabilizado após o município receber esses recursos”, ressalta a prefeitura.

Imagens mostram afegãos acampados em saguão do Aeroporto de Guarulhos

Imagens mostram afegãos acampados em saguão do Aeroporto de Guarulhos

O Jornal Hoje mostrou no dia 12 de setembro que 153 afegãos entraram no país em agosto. No mesmo dia, 52 afegãos chegaram a Guarulhos e também ficaram no aeroporto, pois não tinham dinheiro. Desde janeiro, foram mais 400.

Uma operação humanitária foi articulada pelo Ministério Público Federal (MPF) com diversas instituições no dia 16 de setembro e fez com que mais de 90 afegãos acampados fossem encaminhados para um Centro de Acolhida Especial para Famílias (CAE), na Zona Leste da capital paulista.

O pedido de visto humanitário, diferentemente do de refúgio, tem de ser feito fora do Brasil, em uma autoridade consular. No caso do Afeganistão, a mais próxima é a Embaixada brasileira em Islamabad, no Paquistão.

Contudo, o acolhimento não se encerra com a concessão do visto. A Defensoria Pública da União acompanha a situação e diz que é preciso mais ações emergenciais para que os imigrantes sejam devidamente recebidos.

Famílias afegãs no Aeroporto de Guarulhos — Foto: Fábio Tito/g1

Ao g1, o coordenador de Migrações e Refúgio da Defensoria Pública da União em SP, João Chaves, retratou que, com o aumento de chegadas, houve um déficit de acolhimento e falta de equipamento público. Porém, para ele, o país precisa cumprir o comprometimento internacional de que ajudaria afegãos e se preparar para a chegada de novos imigrantes.

“Não há equipamento público para abrigar essas pessoas. É um abrigamento muito específico, porque tem que ser de famílias inteiras, não pode ser separada. Todas estão em situação regular, têm direito de ficar no Brasil, estão em situação de acolhida humanitária e esperam que o poder público cumpra essa função. A Defensoria está aqui para orientar sobre documentos, direitos que essas pessoas têm e fazer essa mediação”, afirma.

Afegãos contam sobre fuga do regime Talibã e vinda ao Brasil — Foto: Fábio Tito/g1

Para Chaves, os municípios de Guarulhos e São Paulo, além do estado, têm estrutura para abrigar os afegãos e quem chegar nos próximos dias.

“Agora, é necessário ter um plano emergencial e que tenha solução rápida. Não há como prever quantas pessoas chegam a cada dia, e é esperada que essa chegada seja acelerada. Por isso, é preciso ter medidas para que a situação no aeroporto não se agrave, para que o aeroporto não se torne local de acolhimento.”

“Desde o final de 2021, o Brasil editou a portaria com direito de visto humanitário. Ao longo de 2022, várias pessoas conseguiram os vistos e, aos poucos, estão vindo para cá. Essa chegada não foi repentina, ela foi esperada. Por isso, o Brasil tem obrigação de ter solução. Ainda há pessoas com vistos que vão chegar”, enfatiza.

Afegão vai para o Brasil tentar nova vida com a família — Foto: Fábio Tito/g1

Em nota, o Itamaraty informou que “a eventual suspensão temporária dos agendamentos, como foi o caso nas embaixadas em Teerã e Islamabad recentemente, e a disponibilização de novas vagas são decididas com vistas a assegurar a eficiência e a continuidade da prestação dos serviços consulares”.

“A Portaria Interministerial nº 24 do Ministério da Justiça e Segurança Pública e do Ministério das Relações Exteriores, datada de 3 de setembro de 2021, autorizou a concessão de visto temporário e de autorização de residência para fins de acolhida humanitária para nacionais afegãos, apátridas e pessoas afetadas pela situação de crise humanitária enfrentada pelo Afeganistão.

Trata-se de avanço substantivo na política migratória nacional, ao reforçar os vínculos de solidariedade com o povo afegão. Distingue-se da política humanitária praticada por outros países, por não limitar número de concessão de vistos a nacionais afegãos. É igualmente digno de nota que o visto é emitido de forma gratuita.

As embaixadas em Islamabad, Teerã, Moscou, Ancara, Doha e Abu Dhabi estão habilitadas a processar os pedidos de visto para acolhida humanitária. Até o dia 16 de setembro de 2022, o governo brasileiro autorizou a concessão de 6.159 vistos humanitários para os afegãos contemplados pela política.

As Embaixadas em Teerã e Islamabad são as que mais concederam vistos a nacionais afegãos. Ademais, a Embaixada do Brasil em Teerã foi a que mais concedeu vistos quando comparada a toda a rede de Postos brasileira, superando a produção de vistos de Embaixadas e Consulados brasileiros em países superpopulosos, como a Índia e a China.

Em relação às entrevistas para solicitação do visto, novos agendamentos são disponibilizados de acordo com a capacidade de processamento das Embaixadas. A eventual suspensão temporária dos agendamentos, como foi o caso nas Embaixadas em Teerã e Islamabad recentemente, e a disponibilização de novas vagas são decididas com vistas a assegurar a eficiência e a continuidade da prestação dos serviços consulares.

Há, neste momento, 1.204 entrevistas de visto para acolhida humanitária agendadas para até 11/01/2023 na Embaixada do Brasil em Islamabad. Na Embaixada em Teerã, por sua vez, haviam sido preenchidos 4.883 agendamentos até o dia 13 de junho de 2022. As entrevistas nos Postos nunca foram interrompidas. Por exemplo, em média, são realizadas 50 entrevistas, diariamente, na Embaixada do Brasil no Irã.

Servidores do quadro do Ministério das Relações Exteriores foram designados em missões transitórias, a fim de contribuir para o processo de recepção, análise e decisão dos pedidos de visto. Auxiliares de outros setores das Embaixadas, como promoção comercial, administração e demais servidores foram também diretamente envolvidos no processo de acolhida humanitária em favor de afegãos. Igualmente, a administração do Itamaraty autorizou a contratação de auxiliares administrativos e tradutores terceirizados.

À luz do exposto, o governo brasileiro reitera o seu o compromisso com a política humanitária em tela, fato que é reforçado pela emissão de números de vistos humanitários sem precedentes durante a vigência da nova Lei de Migração, de 24 de maio de 2017.”

O que diz o Ministério da Cidadania

O Ministério da Cidadania afirma que mantém contato com a Secretaria Municipal de Assistência Social de Guarulhos para orientar e oferecer apoio técnico. Disse também que a cidade vai ser contemplada na nova portaria de repasse de recursos emergenciais para atendimento socioassistencial de imigrantes e refugiados.

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