Hoje, festivais de música não são só festivais de música: mimos de patrocinadores, experiências “instagramáveis” e um clima de parque de diversão se consolidaram. Mas o som não é só um detalhe.
Como um dos temas do Rock in Rio 2022 foi a queixa de fãs e jornalistas sobre o volume do som, o g1 entrevistou profissionais do áudio que trabalharam no festival para esclarecer dúvidas sobre o som dos festivais. Esta reportagem é dividida em tópicos:
1 – Quem foi ouvido pelo g1?
O g1 entrou em contato com integrantes das equipes de som de todas as atrações brasileiras do Palco Mundo e das principais do Palco Sunset. Cinco profissionais toparam tirar dúvidas gerais sobre festivais e responder questões mais específicas sobre esta edição do Rock in Rio:
- Marcelo Sabóia, técnico de áudio de Djavan (relembre show)
- Ricardo Moreira, produtor do Capital Inicial (relembre show)
- Luiz Clemente, técnico de som do Jota Quest (relembre show)
- Márcio Glaser, técnico de som de Ludmilla (relembre show)
- Ewerton Leandro Manca, técnico de áudio da Gabisom, empresa que presta serviço para o Rock in Rio
“A gente recebeu com certa surpresa questionamentos sobre nível sonoro, que foram de alguns shows em específicos, já que o sistema de som é o mesmo para todos os shows”, explica Ewerton. “Não houve falhas no som, e sim níveis de volume diferentes de uma banda para outra.” A maioria dos técnicos ouvidos pelo g1 acrescenta que profissionais de fora do Brasil trabalham geralmente com uma pressão sonora menor do que a ouvida em shows brasileiros.
O Rock in Rio preferiu não responder perguntas sobre os pontos positivos e negativos do som nesta edição. Foi divulgado só um comunicado: “A organização do evento esclarece que a operação e controle da mesa de som é de responsabilidade do artista.”
2 – Como é o som de um palco principal?
É comum que existam três linhas de caixas de som em grandes palcos: uma na frente, uma no meio e outra mais no fundo. O equipamento do sistema de som do Palco Mundo, segundo os profissionais que estiveram no Rock in Rio, está no mesmo nível dos festivais internacionais. A empresa responsável é a Gabisom, considerada uma das melhores do mundo no ramo.
As caixas que ficam longe dos palcos estão em torres cada vez mais finas, na tentativa de atrapalhar o menos possível a visão dos fãs. Essas torres são chamadas de torres de delay. As caixas recebem o sinal e reproduzem a música milisegundos depois: o delay é equivalente ao tempo que o som percorre a distância entre as caixas perto do palco e as demais caixas.
As caixas na frente do palco são para quem está bem perto, espremido na grade. Quem está ali tem dificuldade para ouvir as caixas principais dos cantos: o PA, sigla em inglês para Audição Pública. Se os telões são televisões gigantes, esses amplificadores são como caixas de som igualmente gigantes.
O lugar que controla todo esse sistema é a house mix. A casa de mixagem tem equipamentos e profissionais do som na luta contra barreiras naturais: o clima pode dificultar a propagação do som.
“A chuva piora muito, porque faz uma barreira de massa de água e a propagação do som fica mais complicada. Tudo no clima interfere. Calor interfere e o vento na hora do show pode ser horrível para o som”, explica Marcelo Sabóia, técnico de áudio de Djavan, um dos shows com o som mais elogiado no Rock in Rio.
É difícil definir o nível de som, mas Ewerton explica que é normal que ele fique sempre próximo a 100 decibéis no Palco Mundo, levando em conta que o técnico de som fazendo a medição está na house mix. Esse barulho é comparável ao de uma furadeira perfurando a parede, próxima de uma pessoa.
3 – Como é o som de um palco secundário?
Em espaços secundários, como o Palco Sunset do Rock in Rio, as únicas caixas de som ficam próximas do palco. Como não há caixas de som no meio ou no fundo, alguns fãs mais distantes não conseguem ouvir bem as músicas.
O sistema de som do Sunset foi questionado também em 2019, recorda Ewerton. Ele diz que a ausência de torres de delay “é uma decisão da diretoria Rock in Rio”. “Eles pensavam no Sunset como um ‘Palco 2’. É por isso toda a estrutura dele era menor. Isso deve mudar para as próximas edições. O Sunset vai sofrer transformações, tudo vai crescer”, garante o técnico da Gabisom.
Márcio Glaser, técnico de som de Ludmilla, dona do melhor show do Sunset segundo o g1, concorda com Ewerton. “Acredito que o Sunset não tenha sido planejado para públicos tão grandes como foi o da Ludmilla. Por esta razão, o som deste palco não foi dimensionado para tanto público”, opina ele.
Mesmo assim, ele garante que o equipamento foi capaz de atender aos fãs que lotaram o espaço, porque havia uma “sobra de potência”. “Eu precisei tocar num volume um pouco mais alto do que eu teria tocado num show normal”, conta Glaser. Mas ele diz que é preciso tomar cuidado: se o som fica com volume muito alto, pode atrapalhar o show do Espaço Favela.
4 – Por que há shows com o som mais baixo do que outros?
Para Luiz Clemente, técnico de som do Jota Quest, muitas equipes técnicas internacionais estão mais acostumadas a níveis de pressão sonora mais baixos. “São países mais rigorosos com relação ao nível sonoro”, contextualiza. Ele avalia que técnicos de fora do Brasil preferem um volume menos alto no geral. “Eles têm isso na cultura, é do gosto deles. Recentemente, eu fui aos Estados Unidos e assisti a musicais e me incomodei com o som tão baixo. Não tinha emoção.”
Ewerton Leandro Manca tem avaliação parecida. Para ele, “a grande maioria” dos gringos trabalham com menos volume nos shows. Como já explicado, o sistema de som é um só, mas há adaptações de acordo com o pedido das atrações.
“No Guns, o técnico tirou a passarela e colocou uma grade no palco para o Axl não ir para as laterais. No Coldplay, aumentaram a passarela e ela foi até a house mix. Cada um tem uma forma de trabalhar”, exemplifica Ricardo Moreira, produtor técnico do Capital Inicial. A banda de Dinho Ouro Preto fez um show de som elogiado, mas entrou na lista de piores shows segundo o g1 por causa do setlist repetido e sem grandes surpresas nos arranjos.
5 – Qual foi o pior som no Rock in Rio?
No Rock in Rio deste ano, dois shows foram os mais prejudicados pelo som baixo:
- Iron Maiden no Palco Mundo;
- e Avril Lavigne no Palco Sunset.
A banda britânica e a cantora canadense, porém, não falaram nada sobre o som. O único artista a reclamar publicamente foi Steve Stevens, guitarrista de Billy Idol. O veterano do pop punk fez uma versão constrangedora da balada “Eyes Without a Face”: ele errou a entrada duas vezes e pareceu estar perdido durante a música.
“Em relação a qualquer comentário negativo sobre nossa apresentação no Rock In Rio, principalmente ‘Eyes Without A Face’, nós simplesmente não podíamos ouvir porra nenhuma no Rock In Rio”, escreveu Stevens no Twitter.
Moreira trabalhou no show da Avril Lavigne em São Paulo, antes do Rock in Rio. “Ela tem uma emissão muito pequena. A voz dela por si só é difícil de mixar. No show de São Paulo, ela estava bem debilitada, mas não sei o que era. O pessoal da produção dela falou que ela estava resfriada e eu não sei qual era o motivo. Ela sofreu e fez um show de menos de uma hora. Foi bem curtinho”, lembrou. Avril é diagnosticada com a doença de Lyme.
O show quase inaudível de Avril Lavigne no Rock in Rio poderia, então, ser explicado por uma emissão vocal da cantora abaixo da que se espera, somada à menor potência do som do Palco Sunset.
Relembre como foram os dois shows:
Iron Maiden fez grande show com som pequeno
Iron Maiden faz grande show na noite de abertura do Rock in Rio 202
O começo do show foi frio. A banda entrou tocando três faixas do novo álbum, “Senjutsu”, e o som estava baixo e abafado. Parte da plateia reclamou e pediu para aumentarem o volume. Foi uma pena, porque o disco novo é ótimo e a banda parecia tocar bem pelo pouco que se ouvia. Mas a falha no som e o desinteresse do público por novidades falaram mais alto (mais baixo, na verdade). Depois, o volume e o repertório mudaram e a plateia foi reconquistada. Leia a crítica completa do show do Iron Maiden.
Avril Lavigne tentou cantar no ‘Palco Mudo’
Confira os melhores momentos do show da Avril Lavigne no Rock in Rio
Teve gente que reclamou de Avril Lavigne cantar no Palco Sunset, e não no Palco Mundo. Mal sabiam que seria pior: ela tocou no “palco mudo”. O volume foi tão baixo que o público não conseguiu ouvir quase nada. Um coro de “aumenta o som” foi mais audível do que a primeira música, “Girlfriend”. Aos poucos, todos foram desistindo de implorar por mais volume. Em “Complicated”, só era possível ouvir a voz dos fãs. Houve até certa debandada. Leia a crítica completa do show de Avril Lavigne.
6 – Qual foi o melhor som no Rock in Rio?
No Rock in Rio deste ano, dois shows do Palco Mundo ficaram entre os melhores na lista do g1 e não decepcionaram na qualidade e peso do som: Green Day e Ivete Sangalo.
Green Day fez bailão punk pop com som pesado
Green Day conquista público do Rock in Rio com sucessos e muita energia
Com vinte minutos o Green Day já tinha feito de longe o melhor show do Rock in Rio até então (e não foi superado): Billie Joe endiabrado, uma fã no palco cantando “Know your enemy”, outro casal de fãs ficando noivos e a maior multidão que reunida em frente ao Palco Mundo em 2022. O repertório foi dominado por “American Idiot” (2004), com espaço menor para o outro grande disco da banda, “Dookie” (1994), e um som potentíssimo. Leia a crítica completa do show do Green Day.
Ivete Sangalo tocou até Guns na guitarra
Veja os melhores momentos do show de Ivete Sangalo
Ivete Sangalo levou uma versão adaptada do show que celebra seus 50 anos, completados em maio. A turnê passeia por vários momentos da carreira, desde os tempos de Banda Eva (“Beleza Rara”, “Me Abraça” e a música que leva o nome do grupo) até lançamentos recentes e sem tanta relevância, como “Moral”, de 2022. Procurado pelo g1, Lázzaro Jesus, técnico de som de Ivete, disse que não se sentia “confortável para tecer comentários” sobre o som do festival. Leia a crítica completa do show de Ivete Sangalo.