BRASÍLIA — Este mês o primeiro turno das eleições no Brasilque foram observados de perto, com pesquisas mostrando a previsão errada porque subestimaram o apoio ao atual presidente Jair Bolsonaro, um líder de extrema direita, e outros candidatos conservadores em todo o país.
Muitos da direita ficaram furiosos, criticando as pesquisas por não terem contato com o eleitorado brasileiro.
Essa reação não foi surpresa. O que aconteceu depois, sim, foi.
A pedido de Bolsonaro, alguns líderes políticos brasileiros estão agora buscando criminalizar previsões incorretas de uma eleição.
A Câmara dos Deputados do Brasil acelerou um projeto de lei que penalizaria a publicação de uma pesquisa que posteriormente se encontra fora de sua margem de erro. A Câmara dos Deputados, controlada por aliados de Bolsonaro, deve votar a aprovação da medida nos próximos dias.
O conteúdo final e o destino da conta ainda não estão claros. Líderes legislativos deram a entender que podem mudar alguns aspectos da legislação, e as chances de aprovação no Senado, onde os adversários de Bolsonaro são maioria, parecem muito menos certas.
Independentemente do futuro dessa proposta, no entanto, tanto esse projeto quanto outros esforços para investigar pesquisas de opinião por seus erros de cálculo recentes fazem parte de uma narrativa maior e sem evidências promovida por Bolsonaro e seus aliados de que a classe política brasileira e a esquerda eles tentam fraudar a eleição contra ele.
Enquanto o Brasil se prepara para votar em segundo turno das eleições presidenciais em 30 de outubroas pesquisas continuam mostrando Bolsonaro ficando atrás de seu rival de esquerda, ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silvano entanto a luta parece cada vez mais fechada.
Por sua vez, Bolsonaro optou por rotular as empresas de pesquisa de “mentirosas” e denunciar que seus erros mudaram até três milhões de votos a favor de Lula no primeiro turno eleitoral, e defendeu que as empresas enfrentem as consequências. “Não é porque você cometeu um erro, ok? Uma coisa é errar.” “É por causa dos crimes que cometeram.”
Bolsonaro não esclareceu quais crimes considera terem sido cometidos.
A Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa disse em nota que ficou “ofendida” com tentativas de criminalizar pesquisas que retornam previsões erradas.
“Iniciar esse tipo de pesquisa durante o período de campanha para o segundo turno das eleições, quando os pesquisadores estão fazendo seu trabalho, demonstra mais uma tentativa flagrante de obstruir a pesquisa científica”, disse o grupo.
As empresas de pesquisa acrescentaram que seu trabalho não era prever eleições, mas sim fornecer uma visão geral das intenções dos eleitores no momento em que uma pesquisa está sendo realizada.
O projeto de lei no Congresso não é o único recurso interposto contra os institutos de pesquisa. A pedido da campanha de Bolsonaro, o ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil ordenou que a Polícia Federal abrisse uma investigação contra os pesquisadores pelas pesquisas que realizaram antes do primeiro turno das eleições. Além disso, a agência federal antitruste do Brasil lançou suas próprias investigações nas principais instituições de pesquisa do país para possível conluio.
Alexandre de Moraes, juiz do Supremo Tribunal Federal e diretor do Tribunal Eleitoral do país, não perdeu tempo em ordenar a suspensão de ambas as investigações, observando que eles não tinham jurisdição e pareciam estar cumprindo ordens políticas do presidente. Por sua vez, Moraes ordenou que a Justiça Eleitoral do Brasil investigue se Bolsonaro estava tentando abusar do poder que tem sobre os órgãos federais.
No último ano, Moraes se posicionou como o principal contrapeso ao poder de Bolsonaro, o que lhe rendeu algumas críticas por medidas que, segundo especialistas em direito e governança, representam uma virada repressiva para a mais alta corte do Brasil.
Entre outras decisões, Moraes prendeu cinco pessoas sem julgamento por fazer postagens em redes sociais que considerou ataques contra instituições brasileiras. Em 20 de outubro, oficiais eleitorais ampliaram ainda mais seu poder concedendo-lhe o autoridade unilateral para suspender plataformas de mídia social no Brasil a não obedecer imediatamente às suas ordens para remover a desinformação.
Moraes e o Senado do país parecem prontos para proteger os pesquisadores de medidas contra suas pesquisas.
No entanto, repetidas acusações de que os pesquisadores são corruptos podem prejudicar ainda mais sua capacidade de fornecer a melhor estimativa possível da opinião pública. Alguns dos principais conselheiros de Bolsonaro pediram que seus apoiadores ignorassem as pesquisas para sabotar os resultados.
“Não responda a nenhuma delas até o final da eleição!!! Dessa forma, será certo desde o início que qualquer um de seus resultados é fraudulento”, escreveu Ciro Nogueira, chefe de gabinete de Bolsonaro, em sua conta no twitter. “Seu erro absurdo foi um crime? Somente uma investigação completa determinará isso.”
As principais empresas de pesquisa previam que Bolsonaro receberia cerca de 36% dos votos no primeiro turno das eleições. Ele recebeu 43,2 por cento, uma diferença de sete pontos percentuais fora da margem de erro de praticamente todos os pesquisadores.
Seus prognósticos foram ainda piores em muitas corridas para posições inferiores. No Rio de Janeiro, pesquisas mostraram o candidato conservador a governador na liderança por cerca de nove pontos percentuais. Em vez disso, ele venceu por 31 pontos.
Em São Paulo, algumas pesquisas mostraram um candidato de esquerda concorrendo ao Senado com 14 pontos percentuais acima de seu oponente antes do primeiro turno das eleições. Em vez disso, um candidato de direita venceu por quase a mesma margem, uma diferença de 28 pontos percentuais em relação ao que as pesquisas pré-eleitorais previam.
As empresas de pesquisa atribuíram suas previsões fracassadas a uma variedade de fatores, incluindo dados desatualizados do censo, que prejudicaram sua capacidade de pesquisar uma amostra estatisticamente representativa de eleitores. Essas empresas disseram que suas pesquisas também foram ruins porque uma onda de eleitores maior do que o esperado mudou seus votos para apoiar Bolsonaro no último minuto.
Alguns pesquisadores também comentaram que acreditavam que muitos eleitores conservadores não estavam dispostos a responder às suas pesquisas.
A parcela de eleitores mais velhos superou em muito suas expectativas, talvez devido a um anúncio do governo este ano de que votar era uma nova maneira de garantir a vida e manter seus benefícios de aposentadoria ativos. Pesquisas às vésperas das eleições mostraram que eleitores mais velhos apoiavam mais Bolsonaro do que Lula.
O Brasil está longe de ser o único país onde as pesquisas se esforçam para dar uma imagem precisa do eleitorado, particularmente a força do apoio conservador.
Em 2016, as pesquisas nos Estados Unidos não previam com precisão o apoio a Donald Trump, com empresas dando razões semelhantes para o erro, incluindo que alguns eleitores de direita não estavam dispostos a responder às pesquisas.
A credibilidade das empresas de pesquisa no Brasil foi afetada após o primeiro turno das eleições, e alguns jornalistas relutam em compartilhar pesquisas antes do segundo turno de domingo.
Ricardo Barros, um congressista conservador que está ajudando a empurrar o projeto de lei para criminalizar pesquisas erradas, disse que a legislação forçaria as empresas de pesquisa a serem mais cuidadosas com seus resultados. De acordo com a lei proposta, apenas as pesquisas que errem fora de sua margem de erro seriam responsabilizadas.
“Se você não tem certeza do resultado, use uma margem de erro de 10 por cento”, disse ele. “Eles perdem credibilidade, mas não desinformam os eleitores. O problema é que hoje em dia eles são sempre apresentados como uma verdade absoluta”.
Os legisladores da Câmara e do Senado também reuniram assinaturas suficientes para abrir investigações do Congresso sobre as empresas de pesquisa, embora o líder do Senado deva agir para bloquear a investigação.
Alexandre Cordeiro Macedo, diretor da agência federal antitruste do Brasil que foi nomeado por Bolsonaro, tentou ir além de Barros ao apontar a suposta responsabilidade das empresas de pesquisa.
Antes de Moraes intervir e interromper a investigação, Cordeiro Macedo acusou as principais pesquisas de conluio com base no que chamou de improbabilidade estatística de que todos tenham subestimado o apoio de Bolsonaro por uma margem tão significativa. Ele alegou que o cenário era tão provável quanto ganhar na loteria várias vezes.
Mas Alexandre Patriota, professor de estatística da Universidade de São Paulo, questionou isso, dizendo que provar o conluio com base apenas nessa única medida seria quase impossível.
“Mesmo que todos os institutos tenham errado da mesma forma, isso não é prova de conluio”, disse ele. “Para ter um toque de malícia, você precisa de mais do que apenas números.”
Jack Nicas é o chefe da sucursal do Times no Brasil, que cobre Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai. Eu costumava cobrir tecnologia de São Francisco. Antes de ingressar no Times em 2018, trabalhou por sete anos no The Wall Street Journal. @jacknicas • Facebook