BRASÍLIA – Eles chegaram às dezenas de milhares nesta quarta-feira, furiosos e envoltos em bandeiras brasileiras, aglomerando-se do lado de fora das bases militares em todo o país. Eles estavam lá, diziam, para salvar a democracia brasileira de uma eleição fraudada, e só havia uma maneira de fazer isso: as Forças Armadas precisavam assumir o controle do governo.
Foi uma demanda alarmante em um país que sofreu sob uma ditadura militar de duas décadas até 1985 – e mais uma reviravolta bizarra após as eleições polarizadoras do Brasil.
Um dia antes, o presidente de extrema direita, Jair Bolsonaro, concordou com relutância em uma transferência de poder após 45 horas de silêncio após sua derrota para um ex-líder de esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva. Mas depois de anos de ataques infundados de Bolsonaro aos sistemas eleitorais do Brasil, seus apoiadores pareciam longe de aceitar a derrota.
“Não entendo muito bem, mas eles têm que intervir e realizar novas eleições”, disse Andrea Vaz, 51, vendedora de hardware de computador segurando uma placa que dizia: “Fraude nas urnas!” em um grande protesto do lado de fora da sede nacional do Exército Brasileiro em Brasília. “Vimos vários vídeos. Pessoas dando dinheiro, comprando votos”, acrescentou. “Há provas.”
Mas alguns manifestantes tinham demandas mais claras, mais drásticas, que circulavam nos grupos de WhatsApp e Telegram: os militares deveriam tomar o controle das ruas, o Congresso e o STF deveriam ser dissolvidos, e o presidente deveria permanecer no poder, pelo menos até novo eleições poderiam ser realizadas.
Os protestos generalizados e os apelos às forças armadas foram uma escalada da recusa da extrema-direita brasileira em aceitar a eleição de Lula, um ex-presidente que muitos da direita consideram um criminoso por causa de seu escândalo de corrupção passado.
Bolsonaro, em um discurso de dois minutos na terça-feira em que não reconheceu sua perda, disse que apoiava protestos pacíficos inspirados por “sentimentos de injustiça no processo eleitoral”.
Muitos de seus seguidores viram isso como um selo de aprovação. “O que ele disse ontem me deu mais energia para vir”, disse Larissa Oliveira da Silva, 22, que estava sentada em uma cadeira de praia no protesto em São Paulo, apoiando o pé quebrado. “Depois de seus comentários, vi que ele está do nosso lado.”
Mas outros manifestantes disseram que Bolsonaro havia efetivamente desistido de seu acordo de transferir o poder para Lula na terça-feira, então eles estavam se voltando para as Forças Armadas.
Em nota, o Ministério da Defesa do Brasil disse que “as manifestações, desde que ordenadas e pacíficas, são o exercício da liberdade de expressão, de pensamento e de reunião, de acordo com os princípios constitucionais e as leis vigentes”.
Os militares não consideraram intervir na transferência de poder e, se os protestos se expandirem, podem instar o presidente a pedir a seus partidários que voltem para casa, de acordo com um alto oficial militar que falou sob condição de anonimato para descrever conversas privadas. Os militares, que ajudaram a supervisionar a eleição, não encontraram sinais de fraude, disse o funcionário.
O Ministério da Defesa disse que em breve entregará seu relatório sobre a integridade do voto às autoridades eleitorais.
Em entrevistas com mais de 60 manifestantes em todo o Brasil desde domingo, quase nenhum acreditou que a eleição foi limpa. Essas crenças estavam enraizadas nas mesmas evidências circunstanciais, relatórios não atribuídos e imprecisões que Bolsonaro promove há anos para alegar que as eleições brasileiras estão repletas de fraudes. Eles viram vídeos de máquinas de votação com defeito, leram que os padrões nos retornos de votos eram suspeitos e, segundo eles, simplesmente não confiavam nos funcionários eleitorais.
Acima de tudo, no entanto, eles disseram que Bolsonaro atraiu multidões muito maiores do que Lula – e quase todos que eles conheciam votaram no presidente – então como pode ser que ele tenha perdido?
O movimento foi frouxamente organizado. Parecia não haver líderes formais de protesto, e figuras públicas proeminentes, incluindo políticos conservadores, não ecoaram pedidos semelhantes de intervenção. No entanto, rapidamente se transformou na maior manifestação desde que Bolsonaro perdeu a votação no domingo.
O que consideramos antes de usar fontes anônimas. As fontes conhecem a informação? Qual é a sua motivação para nos dizer? Eles provaram ser confiáveis no passado? Podemos corroborar a informação? Mesmo com essas questões satisfeitas, o Times usa fontes anônimas como último recurso. O repórter e pelo menos um editor sabem a identidade da fonte.
Com uma participação coletiva de mais de 100.000 pessoas, os manifestantes se reuniram em pelo menos 75 cidades, inclusive em todas as 27 capitais brasileiras, muitas vezes ao redor de bases militares.
Em outros lugares do país, os manifestantes continuaram a montar bloqueios nas rodovias, criando backups de quilômetros de extensão e interrompendo o transporte e o frete. Esses bloqueios começaram imediatamente após os resultados das eleições no domingo, como parte do que os manifestantes disseram ser um esforço para “paralisar” o Brasil e forçar os militares a intervir. Até a tarde desta quarta-feira, 146 bloqueios ainda estavam ativos, segundo a Polícia Rodoviária Federal.
Nos arredores de São Paulo, os bloqueios causaram vários backups, totalizando mais de 100 quilômetros de engarrafamentos na quarta-feira, segundo a agência de trânsito local, e levaram ao cancelamento de 1.400 ônibus. As interrupções também causaram escassez de combustível em pelo menos quatro estados.
Mr. Bolsonaro lançou um vídeo na noite de terça-feira, implorando a seus apoiadores que parem de bloquear as estradas, dizendo que estava atrapalhando vidas e prejudicando a economia. “Estou tão chateado e triste quanto você, mas temos que colocar nossas cabeças no lugar certo”, disse ele. “Outras manifestações que estão ocorrendo em todo o Brasil em praças públicas fazem parte do jogo democrático.”
“Vamos fazer o que tem que ser feito”, acrescentou. “Estou contigo.” Ele não abordou diretamente os pedidos de intervenção militar.
Os protestos foram em grande parte não violentos. O incidente mais notável foi um ataque contra manifestantes em Mirassol, uma cidade de médio porte ao norte de São Paulo, quando um carro atropelou a multidão, ferindo 11 pessoas, segundo a polícia local. Um homem foi preso por tentativa de homicídio, segundo a polícia.
Além de insistir que o voto foi roubado, os manifestantes também foram motivados por seu desdém por Lula, que tem sido a figura política mais dominante nos 34 anos da democracia moderna do Brasil. Universalmente conhecido como Lula, ele foi o principal candidato em seis das nove eleições presidenciais desse período, vencendo três.
Mas depois de seu último governo, ele também cumpriu 17 meses de prisão por acusações de corrupção, que foram posteriormente descartadas quando a Suprema Corte decidiu que o juiz em seus casos era tendencioso.
Ele nunca foi inocentado de qualquer irregularidade, no entanto, alimentando a crença de que não é confiável e tornando-o talvez uma força mais polarizadora para muitos brasileiros do que Bolsonaro.
“Não queremos um presidente bandido que roubou, que foi preso, que teve várias pessoas em seu governo que saquearam o Brasil”, disse Danielle Mota, 43, cabeleireira segurando uma placa que dizia “Intervenção Federal”.
“Nós queremos uma intervenção militar.” ela adicionou. “Assim como em 1964.”
Esse foi o ano em que as forças armadas, com apoio dos EUA, derrubaram o governo, instituindo uma ditadura militar por 21 anos que matou ou torturou milhares de opositores políticos. A maioria dos manifestantes entrevistados na quarta-feira em manifestações em três das maiores cidades do país, Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, disse querer que o Brasil continue sendo uma democracia. Mas outros, confrontados com Lula como presidente, disseram que era hora de um governo militar.
“Permanentemente”, disse Kenya Oliveira, 38, segurando seu filho de 4 anos.
Camila Rocha, cientista política brasileira que escreveu um livro sobre a radicalização da direita brasileira, disse que os apelos aos militares foram produto de anos de absorção das alegações de Bolsonaro de que as eleições foram fraudadas, combinadas com o medo de um governo Lula.
O Partido dos Trabalhadores de esquerda de Lula estava no centro de um amplo esquema de propina do governo que foi revelado depois que ele deixou o cargo em 2010, levando à prisão de muitos dos principais funcionários do partido. Bolsonaro e seus aliados há muito chamam o partido de corrupto, mas também o enquadram falsamente como comunista.
Muitos da direita veem Lula “não como um adversário, mas como um inimigo que precisa ser contido”, disse Rocha. “Nesse sentido, há um forte paralelo com o golpe de 1964, que se justificou justamente para deter o avanço do que se pensava ser a ascensão do comunismo no Brasil.”
Muitos dos manifestantes disseram que seus pedidos de intervenção foram apoiados pelo artigo 142 da Constituição brasileira, que diz que os militares têm o papel de “garantir poderes constitucionais” sob a “autoridade suprema do presidente”.
De acordo com advogados constitucionais e decisões judiciais anteriores, o artigo não permite que os militares assumam o controle do governo.
Marco Aurélio Mello, juiz aposentado do Supremo Tribunal Federal e defensor declarado de Bolsonaro, disse que a interpretação dos manifestantes é apenas “nostalgia do regime autoritário”.
Ele acrescentou que, em vez disso, os manifestantes tinham “o direito dos perdedores de reclamar”.
Laís Martins contributed reporting from São Paulo, Flávia Milhorance, Ana Ionova and Leonardo Coelho from Rio de Janeiro, and André Spigariol and Gustavo Freitas from Brasília.