Horas depois que Yevgeny V. Prigozhin e seu grupo de mercenários Wagner encerraram sua rebelião no sábado, funcionários do Ministério das Relações Exteriores da Rússia telefonaram ao presidente da República Centro-Africana para assegurar-lhe que os milhares de combatentes Wagner implantados em seu país permaneceriam e que a Rússia continuaria procurando novos empreendimentos na África.
A milhares de quilômetros de distância, e enquanto a rebelião ainda estava em andamento, as tropas russas na Síria cercaram várias bases que abrigam combatentes de Wagner, temendo que o contágio se espalhasse para além da Rússia.
A liderança da Rússia teve alguns problemas com “o chefe dos paramilitares”, disseram eles ao presidente centro-africano, Faustin-Archange Touadéra, mas esses problemas foram resolvidos e o Kremlin, eles garantiram, estava no controle.
Mas outros não têm tanta certeza. O grupo Wagner foi um projeto pessoal de Prigozhin, que o construiu ao longo de quase uma década em uma empresa em expansão, com tentáculos que se estendem da Líbia, através da África e no Oriente Médio. O grupo enviou tropas para cinco países africanos, e os afiliados de Prigozhin estiveram presentes em mais de uma dúzia no total.
Com o Sr. Prigozhin no exílio na Bielo-Rússia e milhares de seus mercenários se exilando com ele ou sendo forçados a se juntar ao exército russo, não está claro como toda a estrutura será mantida.
“Eles conhecem as pessoas no terreno, têm o conhecimento institucional e o know-how”, disse John Lechner, pesquisador independente que atualmente escreve um livro sobre Wagner, sobre os executivos do grupo nos países africanos.
“O Kremlin não pode substituir esses caras e esperar que as coisas funcionem como antes.”
Além disso, a rebelião da semana passada foi desencadeada pela ordem do Ministério da Defesa da Rússia para que todos os membros de Wagner assinassem um contrato militar russo, destruindo efetivamente a autonomia do grupo. A mesma exigência foi feita aos russos e sírios que trabalham com Wagner na Síria, mas ainda não está claro se a ordem se estenderá à África.
O grupo Wagner oferece segurança a presidentes africanos, apoia ditadores, reprime violentamente levantes rebeldes e é acusado de tortura, assassinato de civis e outros abusos. Isso também se intromete na política, organiza campanhas de propaganda e, em um caso, até realizou um concurso de beleza. Em troca, recebe dinheiro ou concessões lucrativas de mineração de minerais preciosos como ouro, diamantes e urânio.
Durante anos, até a guerra na Ucrânia, Prigozhin negou qualquer ligação com Wagner e até mesmo sua própria existência, e só recentemente o presidente Vladimir V. Putin reconheceu a conexão da Rússia com o grupo. Esse relacionamento deliberadamente obscuro permitiu que os mercenários de Wagner tirassem vantagem dos ativos militares russos, como aviões de transporte e blindagem pesada, enquanto se apresentavam como atores não estatais. Em troca, o grupo forneceu a Moscou um meio de projetar poder, muitas vezes com violência indiscriminada, enquanto negava responsabilidade.
Por enquanto, no entanto, os clientes de Wagner parecem preparados para aceitar a palavra de Moscou, talvez relutantes ou, em alguns casos, com medo, de contemplar a possibilidade de governar sem o apoio de punho de ferro do grupo.
“A Rússia nos deu Wagner, o resto não é da nossa conta”, disse Fidèle Gouandjika, assessor especial de Touadéra na República Centro-Africana. “Se não for mais Wagner e eles mandarem Beethoven ou Mozart, não importa, nós os levaremos”, acrescentou, uma referência ao fato de o grupo ter tomado o nome do compositor alemão Richard Wagner.
A República Centro-Africana é considerada pela maioria dos analistas o modelo de negócios mais bem-sucedido de Wagner e um exemplo de captura do estado. A gama vertiginosa de suas atividades e fluxos de receita ilustram amplamente os problemas que o Kremlin encontrará ao tentar impor o controle.
Wagner faz uso liberal de empresas de fachada para ocultar suas atividades, mas por meio de pelo menos meia dúzia de entidades conhecidas na República Centro-Africana, dirige uma estação de rádio e uma cervejaria, e logo estará engarrafando água.
Fornece guarda-costas para o Sr. Touadéra e treina o exército do país.
Ele também controla centenas de quilômetros de estradas anteriormente infestadas de bandidos que ligam Bangui, a capital, ao porto de Douala, no vizinho Camarões, onde os caminhões de empresas afiliadas a Wagner transportam madeira e outras mercadorias, mas não pagam impostos, de acordo com um diplomata ocidental. em Bangui.
“Existem tantas subsidiárias africanas”, disse Julia Stanyard, analista sênior da Iniciativa Global Contra o Crime Organizado Transnacional, com sede em Genebra, sobre as entidades ligadas a Prigozhin. “Só conhecemos a ponta do iceberg.”
Em países onde Wagner fornece soldados de aluguel, o Kremlin pode conseguir recuperar algum controle mais facilmente, dizem observadores, porque o grupo paramilitar depende de financiamento e logística fornecidos pelo Ministério da Defesa.
No Mali, onde cerca de 1.500 mercenários lutam ao lado do exército nacional contra grupos armados afiliados à Al Qaeda e ao Estado Islâmico, os agentes de Wagner fizeram uso liberal de aviões de transporte militar da Rússia para entregar armas pesadas e rotacionar suas tropas, de acordo com dados de voo.
Na Síria, onde os militares da Rússia intervieram em 2015 em nome de seu presidente autoritário, Bashar al-Assad, para ajudar a esmagar uma rebelião de um ano, os mercenários de Wagner operam ao lado de soldados russos.
Enquanto as colunas blindadas de Wagner avançavam em direção a Moscou no sábado, as tropas russas cercaram pelo menos duas bases na Síria com tropas de Wagner dentro, de acordo com os meios de comunicação locais.
Durante horas, as forças russas mantiveram seu perímetro armado em torno das bases, uma perto de Damasco e outra perto da costa síria, temendo qualquer movimento dos combatentes de Wagner. As telecomunicações também foram bloqueadas.
O vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia se reuniu mais tarde com al-Assad, da Síria, para discutir a “coordenação” entre os dois países, “especialmente à luz dos acontecimentos recentes”, de acordo com a mídia estatal síria.
Os mercenários Wagner na Síria foram informados de que têm até sexta-feira para assinar contratos com o Ministério da Defesa. Na República Centro-Africana, um canal de Telegram pró-Wagner ecoou com reclamações de empreiteiras de Wagner sobre a assinatura do acordo, mas não houve confirmação de que o pedido havia sido dado.
Mas isso pouco importava para as autoridades centro-africanas, disse Gouandjika.
O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey V. Lavrov, disse em uma entrevista televisionada na segunda-feira que as forças de Wagner não se retirariam do Mali ou da República Centro-Africana, observou ele, acrescentando que a embaixada russa em Bangui seguiu com uma nota dizendo que a África Central Funcionários da República não se preocupem.
“A Rússia tem garras longas, mas não as sentimos”, disse Gouandjika. “Eles estão nos esfregando da maneira certa.”
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