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A escola rural na Colômbia que sem biblioteca nem internet conseguiu ganhar um prêmio mundial de educação


A instituição ganhou o prêmio de melhor escola do mundo em ação ambiental, superando locais de países como Emirados Árabes, Filipinas, China, Argentina e Canadá A instituição rural atende 380 alunos.
William Hernández Guerrero/BBC
Esta é a história de um sucesso altamente improvável.
Aconteceu no Huila, a região mais produtora de café da Colômbia, o país que fornece um dos cafés mais ricos e populares do mundo.
Lá, na área de San Francisco, assim como em qualquer outra região rural desse país, ser criança ou adolescente e estudar para obter o diploma de ensino médio é uma verdadeira proeza.
De acordo com um estudo recente da Universidade Javeriana, 79,8% das instituições educacionais em áreas rurais colombianas não têm acesso à internet, 18,1% nem mesmo têm fornecimento de energia elétrica, e 61,5% dos estudantes rurais precisam se deslocar a pé até suas escolas, muitas vezes em territórios extensos.
Portanto, não é surpreendente que hoje a Instituição Educativa Montessori, unidade San Francisco, não possua biblioteca nem sala de professores.
O que é extraordinário é que, com os recursos limitados com os quais opera, conseguiu conquistar mais de 30 prêmios nacionais e internacionais por sua abordagem educacional.
💰E o que é quase milagroso é que recentemente tenha recebido US$50.000 por ganhar o prêmio de melhor escola do mundo em ação ambiental, superando escolas de países como Emirados Árabes, Filipinas, China, Argentina e Canadá.
🏆Este prêmio é o resultado de mais de seis anos de esforços da comunidade educacional, sob o nome de CafeLab, um laboratório inovador inspirado na natureza cafeicultora das famílias de seus 380 alunos.
A BBC Mundo conversou com o diretor do projeto e com uma das alunas para entender como conseguiram transformar seu ambicioso sonho em realidade.
Professor Ramón e o dilema do café
Professor Ramón com um dos moradores da comunidade de Pitalito.
William Hernández Guerrero/BBC
Ramón Majé Floriano tem 39 anos e é professor de matemática e física. Ele começou a trabalhar na localidade (zona rural) de San Francisco em 2017. A primeira coisa que ele percebeu ao chegar foi que a instituição da qual passou a fazer parte, que leva o nome Montessori, não é afiliada e não pratica o famoso método de educação italiano, que atualmente é utilizado principalmente em escolas de classe alta.
“Perguntei e me disseram que não tinha nada a ver com o método e que colocaram esse nome porque era bonito”, explica. Em seguida, Ramón conheceu seus alunos dos últimos anos do ensino médio. Eles lhe contaram com muito orgulho que a região, o Huila, é a maior produtora de café do país. De fato, ela manteve essa posição pelo menos até 2022, segundo um relatório da Federação Nacional de Cafeicultores da Colômbia.
“Aqui no município de Pitalito (onde fica San Francisco), 10.800 famílias vivem do café. O município possui 21 hectares cultivadas com grãos e a produção atinge pouco mais de 220.000 cargas de pergaminho seco por ano”, acrescenta. Assim, a maioria dos alunos cresceu em fazendas de café, pertence a famílias dedicadas à colheita do café ou está envolvida em alguma atividade econômica relacionada ao grão de café.
E esse foi o ponto de partida do projeto do professor Ramón, como é chamado na escola.
“Comecei a desenvolver um exercício de aprendizado baseado em projetos, pensando que o que é ensinado ao aluno deve ter significado para ele. Não adianta ensinar à criança, por exemplo, o número complexo se ela não o usará em sua vida cotidiana e, portanto, o esquecerá”.
O professor e seus alunos começaram então com uma primeira fase de observação, realizaram saídas pedagógicas e focaram em entender as práticas de produção da comunidade. “Foi assim que começamos a descobrir que por trás da produção da xícara de café de alta qualidade existe um impacto ambiental sobre o qual não se fala na Colômbia. Fala-se do melhor café do mundo, mas por trás desse café há um enorme problema de contaminação.”
Especificamente, perceberam que em toda a cadeia de produção de café existem cinco tipos de resíduos naturais que, quando descartados, contaminam e alteram o meio ambiente e os ecossistemas nativos:
o caule da planta,
a casca do fruto chamada de polpa na região,
o revestimento gelatinoso da semente chamado de mucílago,
a casca que sobra depois de torrar o grão de café e, por fim,
o resíduo que fica no fundo da xícara de café.
“Alguém pode dizer que, por serem resíduos naturais e orgânicos, podem ser descartados sem problema para se decompor. No entanto, o problema é que o ecossistema não está preparado para uma alta carga desses resíduos orgânicos. Vinte mil hectares gerando, por exemplo, a polpa (casca) que é altamente ácida, vão alterar a acidez do solo e, portanto, o ecossistema. Além disso, vários resíduos acabam nos riachos e rios da região, contaminando a água”.
CaféLab
Alunos com teste experimental de bateria elétrica baseada na casca e mucilagem (substâncias químicas) do fruto do café.
William Hernández Guerrero/BBC
Com o problema identificado, o professor e os estudantes começaram a trabalhar em possíveis soluções. A ideia deles era criar uma relação direta entre a escola e a comunidade, e entre a comunidade e o território. Cada proposta de solução foi tratada como um projeto independente que deveria passar por três etapas: imersão, transferência e comunicação.
“Começamos com a imersão, lendo antecedentes e fazendo trabalhos de campo. Ou seja, vamos até a zona e fazemos pesquisas, entrevistas, medições com sensores, ensinamos aos alunos a programar sensores para medir a qualidade da água, qualidade do ar, pH, do solo, e umidade. Também ensinamos a usar o drone para fazer medições de perímetros.”
Mas conseguir os equipamentos e ferramentas mencionados pelo professor não tem sido nada fácil; os poucos que possuem foram adquiridos com muito esforço. “Às vezes as pessoas comentam que talvez tenhamos ganhado os prêmios com sorte, mas não imaginam tudo o que tivemos que fazer. A instituição hoje não tem sala de professores, não tem biblioteca e até oito meses atrás não tinha conexão com a internet.”
Ao longo do caminho, participaram de várias feiras de ciências locais, nacionais e internacionais, ganhando 30 prêmios. Essas feiras costumam ser eventos nos quais projetos classificados em diferentes temáticas são apresentados e os melhores são premiados, alguns prêmios incluem reconhecimento e a oportunidade de viajar para a feira, enquanto outros podem ser equipamentos ou recursos econômicos.
Lucía, uma estudante do décimo ano, atualmente com 16 anos, teve a oportunidade de viajar para o Brasil com um colega para representar a escola na Expo Milset, uma feira de ciências. “Viajamos no ano passado para Fortaleza. Competimos com aproximadamente dez países e mais de 30 projetos, e ganhamos o primeiro lugar internacional.”
Essa oportunidade também marcou sua primeira viagem de avião e sua primeira saída da Colômbia. “Foi muito impactante, quando me disseram que viajaria, comecei a chorar de emoção, não acreditava porque eu nem mesmo tinha passaporte… Amei o Brasil, agora gostaria de ter a experiência de morar e exportar nosso café para lá.”
Hoje em dia, Lucía trabalha em um projeto de sabão feito a partir do resíduo que fica na xícara de café. “Eu quis criar um sabão esfoliante. Pensei nisso, consultei e passei pelas três fases do projeto CaféLab. Depois fiz o protótipo, o design, o teste e a avaliação. Levei um ano tentando até conseguir, porque você tem que trabalhar até atingir a meta; se se propõe, consegue”, conta.
Mas essa é apenas uma das várias soluções que foram criadas e aprimoradas ao longo desses quase sete anos de trabalho no laboratório. “Com a polpa (casca), fazemos bebidas aromáticas, vinhos, doces e farinhas. Com o mucílago, estamos gerando energia capaz de acender uma lâmpada. Com o caule da planta, devido à sua alta densidade e resistência, fabricamos móveis. Por exemplo, a sala de matemática onde nos reunimos tem mesas e cadeiras feitas de caules de café”, explica o professor Ramón.
Professor Ramón, Lucía, funcionário do Ministério de Ciências da Colômbia e estudante Alan James.
Divulgação/BBC
Além disso, o projeto adotou uma abordagem de gênero para contribuir na redução da lacuna de desigualdade. “Geralmente diziam: ‘Como você é mulher, sirva como secretária’ ou ‘Como você é mulher, encarregue-se de trazer os materiais’, então decidimos virar essa situação de cabeça para baixo e dar espaço para que as mulheres liderem e coordenem os grupos de trabalho”.
Por essa razão, estudantes como Lucía têm tido acesso a diversas oportunidades que geralmente não estão disponíveis para mulheres em contextos rurais.
“Cada equipe de trabalho tem papéis definidos, mas incentivamos que a líder da equipe seja uma mulher, porque a porcentagem de mulheres que ingressam em carreiras STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) é muito baixa”, acrescenta.
Lucía, por exemplo, se formará no próximo ano e sonha em fazer parte da Força Aérea para ter uma renda estável e deseja criar seu próprio empreendimento. “Quero me profissionalizar e gerar renda para exportar minha própria marca de café. Gostaria que a fazenda dos meus pais, dos meus avós e da minha família se tornasse um ponto central de café de alta qualidade com consciência ambiental.”
A melhor escola do mundo
Em 3 de novembro de 2023, a escola rural de San Francisco estava cheia de pessoas. Foi a primeira vez que a ministra da Educação da Colômbia visitou, acompanhada por jornalistas de vários veículos locais, nacionais e internacionais. A visita ocorreu porque a plataforma global T4, sediada em Londres, anunciaria os vencedores do prêmio de educação entregue anualmente em quatro categorias diferentes, e a instituição rural estava entre os finalistas.
“Na nossa sede, somos 16 professores, somos poucos, mas estamos fazendo barulho, até internacionalmente”, explica o professor Ramón. Ele explica que nesse dia foi anunciado que a Instituição Educativa Montessori, com sede em San Francisco, era a vencedora do prêmio de ação ambiental, superando outros dois finalistas das Filipinas e dos Emirados Árabes.
O prêmio “reconhece e celebra as escolas que desempenham um papel ativo na luta contra a crise climática, por meio da educação de seus alunos e da comunidade em geral, ajudando-os a tomar medidas para proteger seu futuro”, conforme explicado pela T4 em seu site.
Desta vez, além do reconhecimento internacional que atraiu a atenção de várias instituições e destacou essa pequena comunidade no sudeste colombiano, a escola recebeu US$50.000 que ajudarão a aprimorar o laboratório.
“Esperamos poder criar três salas especializadas para cada etapa do projeto: um laboratório de ciências, uma oficina de agroindustrialização e um espaço para desenvolver competências de comunicação. Pretendemos usar esses recursos para começar a equipar as salas de aula”, explica o professor.
O projeto já possui várias linhas de ação em diferentes temas ambientais, como energias renováveis, materiais, alimentação e recursos agrícolas. Um de seus maiores feitos é ter alterado o currículo de todas as sedes da instituição educacional.
“Agora, não impactamos apenas os 380 alunos desta escola, mas os 3.300 de toda a instituição, e o novo currículo é para ser trabalhado por 126 professores. Todos estamos seguindo as três fases de imersão, transferência e comunicação. É um feito imenso, pois quebrou um paradigma da educação tradicional. Não foi fácil, mas estamos conseguindo”, destaca o professor.
O professor e os alunos não permitiram que a precariedade os limitasse. “Estou muito orgulhosa de estudar aqui. Depois de me formar, continuarei vindo à minha escola e espero vê-la tornar-se uma referência para outras escolas. Quero que os alunos cheguem com toda a confiança e digam: ‘Sou parte do CaféLab Colômbia, tenho consciência ambiental e estou contribuindo para reduzir a poluição'”, conclui Lucía.
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MicroGmx

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