Mas quase um ano depois do anúncio, o “universo virtual” da empresa não está disponível no Brasil e outros serviços estão longe de fazer parte da rotina dos usuários no país.
Ainda é preciso um esforço para apresentar o metaverso para internautas. A palavra é desconhecida para metade dos consumidores brasileiros, segundo uma pesquisa da consultoria Accenture.
Ao mesmo tempo, o interesse pelo metaverso em pesquisas na internet está menor. Dados do Google indicam que as buscas pela palavra tiveram pico em dezembro de 2021 e entraram em queda durante 2022.
De olho no assunto, esta reportagem apresenta:
Para chamar a atenção dos usuários, o metaverso precisa de melhorias. É o que avalia Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio) e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
“Eu costumo dizer que o metaverso já chegou, mas não está pronto. Ele já chegou no sentido de que todo mundo fala sobre o tema, mas a versão que se imagina do metaverso não existe”, afirma.
Ele destaca que uma versão mais avançada do metaverso depende de capacidade de processamento gráfico, renderização de espaços físicos para o mundo virtual e outros avanços que levarão algum tempo para ficarem prontos.
“O que a gente tem hoje é uma discussão preparatória que só é possível porque a internet está há tanto tempo conosco. Então, de certa maneira, a gente consegue antever o que pode ser esse futuro com o metaverso, mas certamente o metaverso que está na cabeça de todo mundo, ainda não existe hoje”, complementa.
O termo “metaverso” surgiu no livro de ficção científica “Snow Crash”, escrito por Neal Stephenson e publicado em 1992. O autor descreveu a palavra como um “universo gerado informaticamente que o computador desenha sobre os seus óculos e bombeia para dentro de seus fones de ouvido”.
Edição de Snow Crash, escrito por Neal Stephenson e publicado originalmente em 1992 — Foto: Raaz/Flickr
A definição lembra o funcionamento de óculos de realidade virtual, mas há várias interpretações.
“Não existe um certo consenso sobre o conceito do que seria metaverso”, explica Souza.
Segundo ele, é possível entender o termo como um novo período da internet em que atividades que eram feitas no mundo real ganham versões virtuais – é o caso do ensino à distância, do avanço do streaming de filmes e do uso de bancos digitais, por exemplo.
Por outro lado, ele afirma, o conceito também pode representar a recriação de espaços físicos em ambientes virtuais para tornar a interação na internet mais parecida com o contato presencial.
Horizon Workrooms, ambiente em realidade virtual desenvolvido pela Oculus, empresa da Meta — Foto: Divulgação
“A gente pode mapear a discussão de metaverso como um sucessor natural de uma fase que a gente se encontra hoje no desenvolvimento da internet”, resume o professor.
Nas duas interpretações, a palavra é usada para definir a aproximação do mundo virtual com o mundo real. Esse é um processo que acontece aos poucos, como ocorreu com a fase de popularização de smartphones, por exemplo.
O metaverso pode ser entendido como um mundo interligado parecido com a web, segundo Luciana Nedel, professora do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
“A web não tem dono e o metaverso será uma coisa assim, que não tem dono e é uma construção coletiva por onde a gente pode navegar”, analisa.
Essa é uma das principais dúvidas de pessoas no Brasil que buscam sobre metaverso no Google, mas não há uma resposta direta para ela. Isso porque o metaverso não é uma plataforma, nem um lugar específico na internet.
Se a ideia é acessar plataformas que se relacionam com o conceito em diferentes níveis, há algumas opções à disposição. Elas podem ser usadas no computador ou no celular e, em alguns casos, o dispositivo precisa de mais capacidade para rodar os gráficos.
O Horizon Worlds, da Meta, só está disponível em sete países – e o Brasil não é um deles. O serviço funciona no Oculus VR, dispositivo da empresa que não é vendido oficialmente no país. Há unidades importadas do aparelho na internet por mais de R$ 3.000.
“Naturalmente, ainda é caro para a população em geral”, diz Luciana. “Tem outras opções de baixo custo, como os óculos de papelão do Google, que se usa bastante na educação. Mas, realmente, a qualidade é menor”.
Google Cardboard: óculos de papelão são alternativas baratas aos dispositivos de realidade virtual — Foto: Divulgação/Google
O que será do metaverso do Facebook? — Foto: Wagner Magalhaes / g1
De modo geral, as empresas que exploram o metaverso não buscam reproduzir fielmente o mundo real e têm um visual bastante colorido. Em alguns casos, a aparência dos serviços é alvo de críticas.
É o caso do Horizon Worlds, que virou piada entre alguns usuários quando o chefão da Meta, Mark Zuckerberg, divulgou uma foto da plataforma. A repercussão negativa levou o executivo a explicar que o serviço ganhará melhorias nos gráficos em breve.
“Os gráficos no Horizon são capazes de muito mais — mesmo nos óculos de realidade virtual — e o Horizon está melhorando muito rapidamente”, disse Zuckerberg em uma segunda postagem com uma imagem com gráficos mais realistas.
Há serviços que propõem imersão, mas não têm um visual 3D. A Epic Metaversos, por exemplo, tem uma plataforma que recria escritórios de empresas e os apresenta com uma visão de cima, em 2D. A ideia é promover uma integração entre funcionários em tempos de trabalho remoto.
“O metaverso não necessariamente tem que ser exatamente como o Mark Zuckerberg está colocando, que é um metaverso 3D com óculos de realidade virtual”, diz Luiz Guilherme, fundador da Epic Metaversos.
“Está provado durante os dois anos da pandemia que as ferramentas tipo Zoom, Google Meet e Microsoft Teams são de teleconferência, porém, não são ferramentas de convivência social, de cultura, de treinamento. Não funcionaram para isso”, opina.
Epic Metaversos criou versão virtual do Central Perk, cafeteria da série ‘Friends’ — Foto: Divulgação/Epic Metaversos
Após a mudança de nome do Facebook para Meta, surgiram várias iniciativas que tentam explorar o potencial do metaverso.
No Brasil, a Justiça do Trabalho de Mato Grosso recriou seu espaço físico em um sistema imersivo que pode ser acessado no computador ou em óculos de realidade virtual. A plataforma tem caráter experimental e ainda não é usada para realizar audiências.
Justiça do Trabalho em Mato Grosso inaugura ambiente totalmente digital
Outra experiência é a de um hospital em São Paulo que fez uma simulação de neurocirurgia com a orientação de uma personagem virtual que podia ser vista com óculos de realidade aumentada. A ideia é que o avatar seja usado no futuro para ensinar alunos sobre procedimentos médicos.
Há ainda as cidades virtuais que permitem alugar terrenos em suas plataformas. Uma delas é a Xepa World, que pretende oferecer seus espaços para empresas. O ambiente ainda tem poucos espaços ocupados – por enquanto, os destaques são duas galerias virtuais de arte.
“Os artistas nos levaram a entender que esse espaço novo funciona como um novo suporte para as artes. Através dele, é possível contar as mesmas histórias que a gente contava antes, mas de uma forma nova”, diz Jonas Davanço, cofundador da Xepa World, startup que criou a cidade virtual.
Xepa World é plataforma com cidade virtual com foco em arte e entretenimento — Foto: Divulgação/Xepa World
Outra plataforma brasileira que aposta no metaverso é o jogo de celular PK XD, com foco no público infantil. Os jogadores criam seus personagens e podem conquistar bens como roupas, carros e casas virtuais por meio de atividades realizadas com outras pessoas.
“É um mundo em que as crianças estão interagindo socialmente umas com as outras e vivendo experiências”, explica Charles Barros, cofundador da produtora de games Afterverse.
Jogo PK XD tem mundo virtual em que usuários podem realizar atividades em conjunto para conquistar itens — Foto: Divulgação/PK XD
O executivo acredita que o fato de o jogo estar disponível para smartphone (e não para óculos de realidade virtual) ajuda a democratizar a ideia de universo virtual.
“As redes sociais se alastraram muito fortemente não só por causa do conceito, mas porque você precisava de muito pouco na barreira de entrada. Em qualquer computador ou celular que navega na internet, você consegue entrar nas redes sociais e os metaversos não são diferentes”, afirma.
O metaverso também pode ser útil em alguns segmentos do comércio eletrônico, diz Luciana Nedel, professora da UFRGS. Ela avalia que o conceito tem o potencial de ser explorado em compras virtuais de supermercados, por exemplo.
“Tem um jeito da compra do supermercado que é: eu tenho a lista, mas tem aquilo que eu compro por impulso. Então, estou olhando as coisas nas prateleiras e me lembrando de coisas que eu não botei na lista. Talvez para fazer compras no supermercado o metaverso seja ótimo”, afirma.
Para entender se uma plataforma está explorando o metaverso, é possível compará-la com outras formas de interação na internet, explica o professor Carlos Affonso Souza, do ITS-Rio e da UERJ.
“Em que medida essa relação [virtual] parece replicar a sensação de estar presente? Porque, se ela parecer uma chamada de áudio do WhatsApp ou uma videoconferência no Zoom, não dá para dizer que isso é metaverso”.
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