“Eu mesmo aprendi técnicas de contenção no curso de enfermagem. A prática é banalizada e não se fala de seus malefícios”, afirma Rômulo Delvalle, enfermeiro especialista em gerontologia e técnico pericial do GATE (Grupo de Apoio Técnico Especializado) do Ministério Público do Rio de Janeiro. Ele faz parte de uma equipe multidisciplinar que assessora tecnicamente os promotores de justiça e explica: “a intenção não é criminalizar logo de saída, e sim procurar entender os motivos de a prática estar sendo utilizada e mudar essa cultura”.
Rômulo Delvalle, enfermeiro e especialista em gerontologia, faz parte de do Ministério Público do Rio e trabalha para conscientizar instituições sobre os riscos da prática de contenção dos idosos — Foto: Mariza Tavares
Sua dissertação de mestrado mostra que a cartilha da contenção não é exclusividade brasileira. Por aqui, a estimativa é de que 7.45% de indivíduos que estão em instituições de longa permanência (ILPIs) sejam submetidos a algum tipo de imobilização durante o dia inteiro. No Japão, o índice é de 9%; chega a algo entre 15% e 17% nos Estados Unidos e na França; e alcança estratosféricos 40% na Espanha, onde o movimento “Desatar” tenta mudar a situação. E qual a justificativa para manter alguém preso a um assento, cadeira de rodas ou cama, com faixas, ataduras de crepom, cintas e lençóis? O risco de queda. No entanto, em nome da segurança, não se leva em conta o bem-estar do idoso.
“Trata-se de um círculo vicioso. A contenção é feita para evitar uma queda, mas provoca declínio funcional, hipocinesia, que é a redução do movimento, mais instabilidade funcional e, claro, risco aumentado de queda”, explica Delvalle.
Manter alguém atado também causa lesões de fricção (skintears) e por pressão (úlcera de decúbito), pela impossibilidade de mudar de posição. “Acaba se transformando numa síndrome geriátrica: o idoso sofre com uma lesão e pode ter escaras. Num quadro de fraqueza muscular, passa a usar fraldas e as infecções urinárias se tornam mais frequentes”, completa. É comum que pacientes com demência, que apresentam agitação psicomotora, sejam contidos para impedir que perambulem pela instituição, ainda que não haja risco para sua integridade física. O próprio Delvalle já presenciou a cena inúmeras vezes – e tem um arquivo com fotos impactantes – mas é otimista. “O que vejo é que 80% querem acertar, mas falta informação e as pessoas não conhecem a cultura da não contenção. Se você sugerir que os gestores pensem em alternativas, intuitivamente eles farão o que é melhor para o idoso, mas o que vigora é um protocolo operacional que precisa ser repensado”, analisa. Com esse objetivo, a Universidade Aberta da Terceira Idade (UnAti) da UERJ realiza, todo ano, seminário de capacitação para profissionais de ILPIs.
Nos hospitais, impera a cultura da segurança. “Os núcleos de segurança do paciente querem risco zero e aplicam o mesmo procedimento para todos, até para os que não precisam. A contenção do idoso é uma manifestação de etarismo que afeta a recuperação daquele indivíduo que está internado”.
Delvalle é membro do Grupo da Tríplice Aliança, que reúne profissionais de três países (Brasil, Argentina e Itália) dedicados a promover essas ideias. A entidade segue a filosofia do psiquiatra italiano Franco Basaglia, que iniciou, na década de 1960, o maior movimento mundial de reforma psiquiátrica. Trieste, onde o médico nasceu, conseguiu se transformar, em 2013, numa “cidade livre da contenção” depois de anos de discussões e treinamento dos profissionais de saúde. A proposta é que esta seja sempre a última opção – por exemplo, para evitar a remoção de cateteres e tubos. Nas instituições, o ambiente é cuidadosamente adaptado, com piso antiderrapante e rampas. Em vez de camas comuns, leitos baixinhos, para não haver necessidade de grades. No chão, é colocado um colchão para que o idoso não se machuque se cair. Há ainda estações de atividades para distrair os pacientes com demência. É importante encerrar a coluna com um alerta: tratei apenas da contenção mecânica, que é a imobilização com algum tipo de material. Há outro tipo de contenção, a química, ou farmacológica, mais sutil e complexa. Fica para uma próxima.
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