A Amazônia atingiu seu ‘ponto de inflexão’?

Eventualmente, Gatti puxou à direita, através de um túnel de galhos salientes e em uma área aberta onde árvores altas sombreavam uma base de pesquisa construída como parte do LBA de Nobre. A noite caía, o rugido dos sapos competindo com o uivo distante dos macacos. Fomos recebidos por uma bióloga de 39 anos, Erika Berenguer, que vestia uma velha camiseta branca, larga demais e suja. Sua especialidade, disse ela, era desgraça — calamidade. Acontece que os números do desmatamento na verdade subestimam o problema da Amazônia, porque um quinto da floresta em pé foi “degradado” pela exploração madeireira, queimada e fragmentação. Agora baseado em Oxford, Berenguer passou os últimos 12 anos estudando como esses males afetam a capacidade da Amazônia de armazenar carbono. Como ela explicaria, porém, até ela ficou chocada com o que aconteceu em 2015, um ponto crítico na saúde do ecossistema.

Na época, o projeto de Berenguer era medir cada árvore em algumas dezenas de talhões dentro e ao redor da Floresta Nacional do Tapajós, em intervalos regulares, para calcular o peso de toda a matéria orgânica, ou biomassa, que serve como proxy para o carbono. A princípio, quando notou as chamas dentro da área de conservação, ela apenas continuou fazendo seu trabalho – recolhendo folhas mortas, fixando fita adesiva em torno de baús centenários, marcando cada um com pedaços numerados de metal cortados de latas de cerveja. Como o colega de Berenguer, Jos Barlow, gosta de apontar, observadores externos geralmente não conseguem distinguir entre incêndios de desmatamento (intencionalmente iniciados para limpar áreas recém-cortadas) e incêndios florestais (quando as chamas se espalham acidentalmente para florestas em pé). Agora era agosto, o auge da estação seca, quando fazendeiros e fazendeiros na Amazônia limpam os campos com fogo. Quase todos os anos, brasas flutuavam pela rodovia BR-163, incendiando folhas no chão da floresta. Mas a própria floresta permaneceu tão úmida que as chamas não conseguiram se espalhar muito.

Berenguer, natural do Rio de Janeiro cosmopolita, fazia questão de suar ao lado de seus ajudantes, homens locais com apelidos como Xarope (Xarope) e Graveto (Pau), cujas famílias se estabeleceram à beira da BR-163 como parte do impulso colonizador de década de 1970. Eles também não estavam muito preocupados. Como agricultores de subsistência, eles também usavam o fogo para manter suas terras. É uma tradição que remonta aos habitantes mais antigos da região, indígenas que descobriram que as cinzas fertilizam os solos pobres em nutrientes. Fora da mais rara das megasecas, eles nunca tiveram que se preocupar em perder o controle das chamas. Pesquisadores encontraram áreas da Amazônia que, de acordo com amostras de sedimentos, passaram 4.000 anos sem uma única queima.

Enquanto Berenguer trabalhava até setembro, no entanto, a fumaça de incêndios díspares coagulava em uma névoa permanente e indistinguível. Permeava tudo – a caminhonete, as roupas, até o sutiã de Berenguer. Quando chutaram as folhas mortas, notaram que o solo estava rachando. As plantinhas do sub-bosque murcharam. Logo todos estavam tossindo; as pessoas se revezavam respirando a névoa de um nebulizador, e seu próprio ranho ficou preto. Todas as manhãs, ela e seus assistentes tinham que limpar uma camada de fuligem fresca do para-brisa do caminhão. Eles acenderam os faróis, acenderam as luzes de emergência e seguiram para a rodovia. Eles dirigiram devagar, mas não conseguiram ver os veículos à frente até que quase colidiram com eles. O céu estava escondido. O sol era uma sugestão vermelha. Ash caiu como neve alienígena.

Os incêndios escapavam para as roças, para os pastos onde pastava o gado, para os telhados de colmo das casas. E os incêndios estavam fazendo o que não deveriam: se espalhando dentro da floresta tropical. Dividindo seu tempo entre a Grã-Bretanha e a Amazônia, Berenguer passou a conhecer seus lotes de pesquisa tão intimamente quanto seu antigo bairro no Rio. Ela pensou em seus lugares favoritos como versões da floresta tropical de sua cafeteria local, sua padaria local. Lá estavam os troncos caídos onde ela e seus assistentes voltavam dia após dia para poderem sentar e almoçar. Lá estavam as raízes altas e finas do contraforte que agiam como um banheiro improvisado, escondendo-a quando necessário. Em um lote, um grosso laço de liana pendia do dossel, criando o balanço perfeito. Agora ela queria salvar esses lugares.

Entre as grandes árvores antigas do Tapajós, as chamas subiam a apenas trinta centímetros do chão. Berenguer e Xarope poderiam esmagá-los com suas botas. Mas seus esforços foram em vão. As chamas se consolidaram em um arco fino e ininterrupto que se estendia por quilômetros floresta adentro. Avançava lentamente, trezentos metros por dia; em seu rastro, o rico verde perene foi deixado marrom e cinza e preto como carvão. Berenguer observou os animais fugirem da linha de fogo – borboletas, veados, sapos do tamanho de dedos. Um dia ela surpreendeu uma cobra. Ele saltou para um tronco fumegante, imolando-se acidentalmente, e Berenguer ouviu um som crepitante, como pão com manteiga batendo em uma chapa.

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