Desaparecimento de 43 estudantes no México continua sem solução após 8 anos | Mundo

O desaparecimento de 43 estudantes mexicanos em 26 de setembro de 2014 abalou a sociedade mexicana, expondo as entranhas da corrupção no governo e destacando a espiral de violência que já havia deixado milhares de mortos. Oito anos depois, ainda não se sabe o que realmente aconteceu.

A cerca de meia hora de carro da pequena e pacata cidade mexicana de Cocula, um depósito de lixo fétido nas colinas já foi considerado a última morada de 43 estudantes mexicanos que desapareceram quando voltavam juntos de um protesto.

Foi lá, em meio a pilhas de plásticos e detritos do dia a dia, que as autoridades mexicanas alegaram que membros dos Guerreros Unidos mataram e queimaram os jovens, todos alunos da Faculdade de Professores Rurais de Ayotzinapa, após serem sequestrados por policiais corruptos na cidade vizinha de Iguala e entregues aos criminosos.

Em 2016, no entanto, investigadores independentes refutaram a teoria do governo de que os estudantes foram mortos e queimados no lixão — uma das mentiras mais gritantes do caso que revelou a luta do México contra a corrupção profundamente arraigada e a violência desenfreada.

Oito anos depois, os restos mortais de apenas três estudantes foram identificados.

Agora, após anos de intenso escrutínio e críticas da opinião pública, uma comissão da verdade criada pelo atual presidente Andrés Manuel López Obrador reformulou o incidente como um “crime de Estado” e acobertamento, envolvendo dezenas de membros da quadrilha, soldados, autoridades locais, estaduais e federais que chegam até os mais altos níveis do governo do México.

O povo continua a protestar contra o fracasso de dois governos sucessivos em descobrir a verdade sobre o que aconteceu.

No aniversário de oito anos do sequestro, alguns dos principais envolvidos no caso foram presos, outros desapareceram e as autoridades e familiares ainda buscam respostas.

Jesús Murillo Karam, ex-procurador-geral

No dia 19 de agosto deste ano, o ex-procurador-geral do México, Jesús Murillo Karam, foi preso por ligação com o caso.

Como procurador-geral do governo do presidente Enrique Peña Nieto, ele abriu a investigação original sobre o desaparecimento dos estudantes.

Jesús Murillo Karam era o procurador-geral na época do desaparecimento dos estudantes. — Foto: Getty Images

Ele agora foi acusado de desaparecimento forçado, tortura e obstrução da justiça em relação aos estudantes desaparecidos.

O sucessor de Peña Nieto, o presidente López Obrador, disse que o papel de Murillo Karam em efetuar prisões ilegais após os desaparecimentos foi a “prova” de que ele supervisionou um vasto acobertamento destinado a proteger o governo federal da responsabilidade.

Diante do tribunal em 24 de agosto, Murillo Karam afirmou que, embora estivesse disposto a reconhecer alguns erros de investigação, ninguém ainda havia sido capaz de oferecer outra versão convincente do que aconteceu com os estudantes.

Ele agora vai a julgamento. Embora nenhuma data tenha sido marcada, o juiz decidiu que ele permanecerá em prisão preventiva até então.

Tomás Zerón, ex-chefe da Agência de Investigação Criminal do México

O ex-diretor da agora extinta Agência de Investigação Criminal do México, Tomás Zerón, foi acusado pelo governo de López Obrador de torturar testemunhas do caso — incluindo um membro do Guerreros Unidos — para ajudar a respaldar a versão do governo.

Ele também é acusado de supostamente manipular evidências. E nega as acusações, dizendo que elas têm motivação política.

Acredita-se que Tomás Zerón esteja em Israel. — Foto: Getty Images

Em 2019, Zerón teria fugido para o Canadá e, em julho de 2021, autoridades israelenses e mexicanas informaram que ele havia ido para Israel e pedido asilo. Desde então, o México solicitou sua extradição, o que o ministro das Relações Exteriores, Marcelo Ebrard, disse ser “prioridade máxima” para o governo de López Obrador. As autoridades israelenses até agora não concederam o pedido.

De acordo com o último relatório do governo mexicano, autoridades do governo tiveram uma reunião com Zerón em Tel Aviv, em fevereiro deste ano, para discutir a possibilidade de ele retornar ao México para responder ao processo. Ele permanece em Israel.

José Luis Abarca, ex-prefeito de Iguala

O prefeito de Iguala em 2014, José Luis Abarca, fugiu da cidade junto com a esposa, María de los Angeles Pineda, poucos dias após o sequestro. Eles foram presos na Cidade do México mais de um mês depois. Ambos continuam atrás das grades, cumprindo pena por lavagem de dinheiro e ligação com o crime organizado.

Apesar das acusações de que ele estava envolvido no desaparecimento dos estudantes, alguns familiares dos 43 jovens o defenderam publicamente, realizando até mesmo uma passeata em Iguala, no mês passado, pedindo sua libertação.

Autoridades mexicanas anunciaram a prisão de José Luis Abarca em uma coletiva de imprensa em 2014. — Foto: Getty Images

Em 14 de setembro, um juiz o absolveu de qualquer responsabilidade pelo sequestro de Iguala, alegando falta de provas. Separadamente, ele enfrenta acusações relacionadas ao assassinato de dois ativistas locais em 2013, além das acusações de lavagem de dinheiro e ligação com o crime organizado.

Ricardo Mejía, subsecretário de segurança pública do México, prometeu que o governo vai contestar a decisão. Ele também descartou qualquer sugestão de que o ex-prefeito seria posto em liberdade.

A quadrilha acusada de matar os estudantes, a Guerreros Unidos, ainda está ativa. Segundo as autoridades mexicanas, ela está fortemente envolvida em extorsões e sequestros no Estado de Guerrero e em outros dois Estados mexicanos. Acredita-se também que o grupo produz e trafica heroína do México para os EUA. Atualmente, supõe-se que a quadrilha seja aliada do Cartel Jalisco Nova Geração, um dos mais poderosos do México.

No início de agosto, as autoridades mexicanas anunciaram que 14 membros não identificados da quadrilha estavam entre um grupo maior de 83 pessoas com mandado de prisão decretado em relação ao desaparecimento dos 43 estudantes. Outros 14 membros da quadrilha — assim como três de seus familiares — ligados ao caso morreram desde então, alguns deles nas mãos de outros criminosos ou forças de segurança mexicanas. Outros morreram de causas naturais.

Houve protestos em massa da população, exigindo saber o que aconteceu com os estudantes desaparecidos. — Foto: Getty Images

As autoridades mexicanas também foram repetidamente acusadas de torturar supostos membros da gangue para obter confissões. A tortura e confissão de seis membros do Guerreros Unidos estão no centro das acusações do governo mexicano contra Murillo Karam.

Outro membro da quadrilha que acredita-se ter desempenhado um papel fundamental no incidente de Iguala, Juan Salgado Guzmán, foi morto a tiros pela polícia em setembro de 2021. O relatório recente do governo encontrou uma série de “irregularidades” ligadas à sua morte, levando as autoridades a concluir que ele havia sido “executado” sem provocação, após ser ferido e enquanto não representava mais uma ameaça para os policiais.

Soldados mexicanos fazendo buscas pelos estudantes desaparecidos em 2014. — Foto: Getty Images via BBC

Grande parte do mistério em torno do sequestro de Iguala gira em torno do envolvimento dos militares. As autoridades confirmaram que os militares tinham um informante viajando com os estudantes de Ayotzinapa no dia do desaparecimento — e que eles estavam cientes dos movimentos dos jovens antes do ataque. As autoridades mexicanas disseram que os militares não fizeram nada para encontrar o informante, que está entre aqueles que ainda estão desaparecidos.

Além disso, os militares foram acusados ​​por especialistas de esconder informações que poderiam ter ajudado a localizar os estudantes. Imagens de drone pareciam mostrar fuzileiros navais mexicanos — parte da Marinha — adulterando evidências no lixão de Cocula.

Em 15 de setembro, as autoridades mexicanas anunciaram a prisão de um general aposentado do Exército, José Rodríguez Pérez, por ligação com o sequestro de Iguala. Rodríguez tinha a patente de coronel na época do incidente — e estava encarregado de uma unidade destacada em Iguala. Outros dois militares também foram presos.

Seis pessoas, sendo três delas estudantes, foram mortas na noite de 26 de setembro de 2014 perto de Iguala. — Foto: Getty Images via BBC

Não está claro que evidências o governo tem contra Rodríguez. Alejandro Encinas, principal autoridade de direitos humanos do México, disse a jornalistas que membros da gangue detiveram seis dos estudantes em um antigo armazém antes de entregá-los ao então coronel, que supostamente ordenou que fossem mortos e seus corpos descartados.

No total, foram emitidos recentemente mandados de prisão para 20 militares, incluindo comandantes e soldados dos dois diferentes batalhões que estavam em Iguala na época.

Apesar da promessa do governo mexicano de responsabilizar os militares por violações de direitos humanos, muitas das questões levantadas pela investigação inicial de Iguala parecem não ter sido abordadas.

Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63031933

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