Entre ‘cutucadas’ e provocações, clima tenso levou família do Pará até a eleger um ‘tio Alexandre de Moraes’ para pacificar grupo. Psiquiatra dá dicas de como não transformar tensão em agressão. Na semana final das eleições de 2022, o caldo entornou em muitos grupos de família no WhatsApp. O g1 mostrou o crescimento e as histórias das batalhas do Zap em 2018. Em setembro de 2022, as brigas voltaram, mas com pessoas exaustas de discutir. Mal elas sabiam que ia piorar…
A explosão de menções a “briga no grupo da família” no Twitter em outubro de 2022 é um sinal de que o 2º turno está mais belicoso no ambiente virtual do que o 1º. O g1 procurou pessoas que relatam esses embates e conta aqui quatro histórias:
A tia desesperada com as tretas e a sobrinha que admite: “A cada propaganda eleitoral cheia de mentira a gente faz questão de ir lá cutucar”;
O primo que diz que virou ainda mais bolsonarista depois de ser criticado no grupo;
A família que brigou tanto que teve que proibir conversas de política até pessoalmente, e deu poder para o tio “Alexandre de Moraes” fiscalizar e multar quem burlar a regra;
Uma história com dois lados: o primo que se revoltou contra a prima numa discussão sobre religião, e a resposta dela sobre o caso.
O g1 também voltou a conversar com o psiquiatra que deu dicas em 2018 e em setembro de 2022 de como lidar com o embate, para dar dica nestes últimos dias. Ele diz que é normal se sentir tenso – o anormal hoje é quem não está ansioso – e dá dicas para não transformar a tensão em explosão.
1 – Embate de primas
“Minha prima começou a namorar um carinha rico e virou bolsonarista. Ela tem que abrir a cabeça, porque mora em Ibirité, pega ônibus, tem um Celta todo caído, custa a pagar gasolina e quer ser Bolsonaro?”, diz Letícia Caroline Araújo, auxiliar administrativa, 22 anos, também de Ibirité, cidade de pouco mais de 180 mil habitantes na região metropolitana de Belo Horizonte.
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Letícia brigou feio no grupo da família no WhatsApp com a tal prima, “pobre como eu, formada pelo Fies e eleitora do Bolsonaro. Eu brigo mesmo, não ‘guento'”, diz a mineira. A tia de Letícia, desesperada, ameaça sair do grupo, mas não evita as brigas na semana final da eleição de 2022.
Letícia Caroline Freitas Araújo, 22 anos, de Ibirité (MG)
Arquivo pessoal
“Nisso minha mãe acabou achando ruim com nós duas”, diz Letícia. Mas foi a tia, mãe da prima e adversária política, que se irritou mais. “Ela saiu do grupo chamando a gente de ‘vergonha'”, conta Letícia. A tia acabou voltando, mas no dia seguinte à entrevista já estava irritada com a briga das duas.
Letícia admite que o clima é mais tenso na última semana. “A cada propaganda eleitoral cheia de mentira, a gente faz questão de ir lá cutucar, só para ela tomar vergonha na cara e ver o que é certo e o que é errado”, ela diz.
2 – Empurrado pela briga
O contador Leandro Sebastian da Cunha, 26 anos, de Belo Horizonte, diz que virou um eleitor mais ferrenho de Jair Bolsonaro por causa dos primos, “todos petistas”, em 2018. “O fato de eles me encherem muito fez até eu querer apoiar mais. Eu fui querer acompanhar mesmo os planos de governo do Bolsonaro.”
“Digamos que eu comecei a virar Bolsonaro mais por briga familiar. A pessoa te faz tanta raiva que você arruma um jeito de provocar”, ele diz. Ele estava tranquilo desde então, mas o clima final de 2022 fez voltar as provocações com os familiares. “Eles não me respeitavam em momento nenhum”.
Leandro Sebastian Almeida Nunes da Cunha, contador de 26 anos, de Belo Horizonte
Arquivo Pessoal
Leandro diz que votou no PT em 2014. “Eu sempre fui aberto a conversas. Tenho vários amigos que votam no Lula e no Bolsonaro. Mas eu sempre pedi argumentos plausíveis.” Ele diz que os argumentos dos outros eleitores não o convenceram, e parecem só “marcação por estar do outro lado”.
Ele diz que era muito próximo de um dos primos quando era mais novo, mas a relação foi abalada pela política. “Esse ano o Natal vai ser horrível, mas a gente está aí pra isso”, diz. “A gente encontra, conversa, eu tento evitar o assunto político, mas se alguém falar, eu falo também.”
3 – Tio ‘Alexandre de Moraes’
A família de Emelin Sousa, servidora pública de Belém (PA), saiu abalada das eleições de 2018. “Grande parte das mulheres são de esquerda, e os homens são de direita. Começou uma briga de verdade. Aí meu tio, que é o administrador do grupo, falou: ‘Está proibido de falar desse assunto.'”
A proibição de falar de política em grupos familiares é comum, mas eles foram além: baniram o tema também nos encontros pessoais. Emelin destaca a atuação do tio, rigoroso e rápido nas decisões, assim como Alexandre de Moraes presidente do TSE, ela diz.
Emelin Sousa, 30 anos, servidora pública de Belém (PA)
Arquivo Pessoal
A principal medida do tio (na verdade chamado Eder) foi estabelecer uma multa de R$ 2 a cada menção sobre política durante os encontros de família. “Minha tia teve que pagar uns 10 reais, porque toda hora tinha que falar do PT”, diz Emelin.
Mas uma briga entre os tios mais velhos foi inevitável nesta reta final de 2022. A atuação para acalmar os ânimos foi em dupla: tio Eder, com o poder da lei, e os primos mais novos, com figurinhas do Casimiro, que levaram a conversa para o humor. “Acabou virando brincadeira”, diz Emelin, aliviada.
4 – É briga ou não é?
Diego Martins, publicitário de 29 anos, do Recife, conta que tem dois grupos de família: no da mãe, a maioria é petista e só há duas primas bolsonaristas, que ficam encurraladas pela maioria. Mas no grupo do pai, é Diego quem fica na minoria.
“Eles são evangélicos e mandam muita coisa de religião e Bolsonaro. Quando saiu o vídeo dele na maçonaria, eu mandei lá. Minha prima falou que estava fora de contexto, e começou a ser apoiada por vários primos, e eu comecei a brigar, porque estar na maçonaria contradiz um grupo evangélico”, diz.
Diego Martins, 29 anos, publicitário do Recife
Arquivo pessoal
“O impacto disso é que desde 2018 eu não vou para reuniões da família do meu pai. Ele me chama, eu digo que não vou”, lamenta Diego. “Agora está mais difícil, porque as emoções já estão mais afloradas”, ele diz. Ele não quer sair do grupo para não chatear o pai, mas tenta nem ver as mensagens.
E o que será que a prima achou da discussão? Diego passou o contato, e a percepção dela foi outra: “Acho que debater sobre um assunto específico, em que os envolvidos não concordam, não é briga. Briga de partido não é comigo. Não sou bolsonarista, sou de direita, contra o PT”, ela disse – mas não quis conversar mais sobre o assunto.
Talvez por serem maioria no grupo, os primos percebam Diego como quem está brigando, não eles. Ele comenta: “Engraçado o contraste com o grupo da minha mãe, que fica todo mundo brigando com minhas duas primas bolsonaristas. Não sei como a gente conseguiu conviver por tanto tempo”.
E aí, como lidar?
“Nessa semana, quem tem alguma saúde mental necessariamente está deprimido e ansioso. Quem não está deprimido e ansioso é que está louco. É um momento muito tenso mesmo”, diz Pedro de Santi, psicanalista e professor da ESPM.
É um resultado indefinido. Tudo isso alimenta uma tensão muito grande, e a chance de isso ser explosivo é gigantesca. Não é difícil explodir numa briga, num gesto abrupto, numa ofensa a quem está votando diferente da gente”, ele descreve. Pedro dá 5 passo para tentar conviver nos grupos:
Não se consumir no celular – “Antes de tudo, é preciso aprender uma medida de uso dessas mídias. Nós estamos encantados com elas e usamos muito mais do que seria proveitoso. É preciso pensar no quanto usar de energia e tempo com elas.”
Insistir na tolerância – “O fato de sair do grupo não vai fazer você amadurecer. Você amadurece é na conversa. Às vezes dá um embrulho no estômago de pensar nisso, mas é preciso. Se possível, deve-se sustentar mais na discussão, sem sair no primeiro conflito.”
Agressão é o limite – “Se você mesmo acha que a melhor resposta é atacar pessoalmente o outro, é melhor sair do que agredir e xingar. Este limite tem que existir.”
Entender laços de família – “Em família há outros assuntos velados. A política é usada para mapear questões anteriores, de vínculos profundos. Remete aos ‘barracos’ de Natal. É mais passional e primitivo. É preciso ter consciência que o estrago de uma briga é maior, mas também o motivo para recompor a relação depois.”
Pensar no dia seguinte – “É preciso lembrar que vamos conviver depois das eleições. Quando passa a paixão, alguns vínculos são recuperados. Não dá para queimar todas as pontes, porque para reconstruir pode ser complicado. Comece se perguntando em como você pode estar sendo intolerante.”