Na semana passada, ministro Paulo Guedes deu declaração sobre estudos do governo para desvincular salário mínimo da inflação, mas negou que objetivo seria reajuste menor. Fala causou tumulto na reta final da disputa pela presidência da República. Um dos principais temas dos candidatos à presidência da República na reta final da campanha eleitoral de 2022, a correção do salário mínimo ganhou as manchetes dos jornais e tomou espaço dos discursos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente Jair Bolsonaro (PL).
O assunto virou destaque após o ministro da Economia, Paulo Guedes, ter afirmado na semana passada que o governo estuda desvincular o reajuste do salário mínimo e de aposentadorias do índice de inflação do ano anterior.
“É claro que vai ter o aumento do salário mínimo e aposentadorias pelo menos igual à inflação, mas pode ser até que seja mais. Quando se fala em desindexar, as pessoas geralmente pensam que vai ser menos que a inflação, mas pode ser o contrário”, disse Guedes, na ocasião.
A declaração causou desconforto na campanha bolsonarista que, prontamente, tentou explicar a proposta. Isso porque alguns setores interpretaram que a medida poderia diminuir o valor do salário do mínimo.
Do outro lado da disputa, a campanha petista aproveitou as críticas geradas e anunciou a defesa do reajuste real (acima da inflação) tendo por base a alta do PIB.
Nesta quinta-feira (27), Guedes afirmou que a equipe econômica do governo Bolsonaro concederá um aumento do salário mínimo acima da inflação. Para 2023, porém, isso não está previsto na proposta de orçamento enviada ao Congresso Nacional.
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O que significa desindexar?
Desindexar significa deixar de corrigir o salário mínimo pela variação dos preços, e também, desvincular os benefícios previdenciários do salário mínimo. Atualmente, todos os valores sobem, ao menos, pela inflação do ano anterior.
Com a desindexação pura e simples, sem a fixação de uma nova regra de cálculo, a definição do valor do mínimo e dos benefícios previdenciários e assistenciais, como aposentadorias, seguro-desemprego e o BPC, seria feita ano a ano pelo governo e parlamentares.
No atual cenário da economia do país, de crise fiscal e dificuldade orçamentária, defensores da desindexação argumentam que a medida poderia melhorar o caixa do governo e abrir espaço para outras despesas.
Isso poderia acontecer, por exemplo, se o governo congelasse os benefícios previdenciários, ou desse um aumento menor do que a inflação.
O cálculo, que está na proposta de orçamento, é que cada R$ 1 de aumento no salário mínimo custará R$ 370 milhões aos cofres públicos em 2023 (por conta do aumento do valor dos benefícios previdenciários e assistenciais).
Uma eventual desindexação do salário mínimo e dos benefícios previdenciários da inflação, no entanto, só poderia de ser implementada, segundo analistas, após mudança na Constituição — por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC).
Para entrar em vigor, uma PEC precisa ser aprovada em dois turnos tanto pelo Senado quanto pela Câmara dos Deputados e ter três quintos dos votos dos parlamentares nas duas casas.
Nos dois últimos anos, o governo baixou medidas provisórias para corrigir o salário mínimo (pela inflação).
Assim que publicadas, as medidas provisórias têm força de lei, mas têm de ser confirmadas depois pelos parlamentares (maioria dos votos, em turno único). O trâmite das MPs, portanto, é considerado muito mais fácil e simples do que de uma PEC.
Normas legais
A Constituição Federal determina, em seu artigo 7º, que o salário mínimo é um direito dos trabalhadores urbanos e rurais.
E diz que o mínimo deve ser fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo .
A lei 12.382, de 2011, que dispõe sobre a política de valorização de longo prazo do salário mínimo, diz que os reajustes do salário mínimo, para a preservação do poder aquisitivo, corresponderão à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), acumulada nos doze meses anteriores ao mês do reajuste.
O texto da Constituição também diz, em seu artigo 201, que trata sobre o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), sistema público que atende aos trabalhadores do setor privado, que nenhum benefício que substitua o salário de contribuição, ou o rendimento do trabalho do segurado, terá valor mensal inferior ao salário mínimo.
Proposta DDD
Essa não é a primeira vez que a equipe econômica fala em desindexar gastos orçamentários.
Esse tem sido um objetivo defendido por Guedes desde o início do governo, proposta que ficou conhecida como DDD (desvincular, desindexar e desobrigar).
Em setembro de 2020, o então secretário Especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, defendeu o congelamento do valor dos benefícios previdenciários por dois anos.
Naquele momento, o objetivo era abrir espaço no orçamento para o novo programa social. Bolsonaro disse, então, que daria “cartão vermelho” a quem, de dentro do governo, lhe apresentasse propostas de congelar aposentadorias ou reduzir benefícios.
Waldery deixou o governo no fim do ano passado.
Aumento real
Segundo economistas ouvidos pelo g1, porém, não é necessário “desindexar”, ou seja, desvincular o salário mínimo da inflação, para que se possa dar a ele um aumento real, ou seja, acima da variação dos preços.
Entre 2005 e 2015, por exemplo, foi concedido aumento real ao salário mínimo, e não foi necessário desindexar o seu valor da inflação. Veja a série histórica mais abaixo nessa reportagem.
Vilma Pinto, diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado Federal, entende que não é necessário realizar essa “desindexação” para poder dar um aumento acima da variação dos preços ao salário mínimo.
“Reajustar ou não [acima da inflação] está relacionado mais com prioridades orçamentárias. É opcional. Não é impositivo. É uma questão de prioridades. O governo não pode dar abaixo da inflação, mas acima da inflação vai depender de como ele vai organizar e alocar esse orçamento”, disse Vilma, da IFI.
William Bagdhassariam, professor de Economia do Ibmec Brasília, também avaliou que, para dar um aumento ao salário mínimo acima da inflação, não é necessário aprovar uma PEC desindexando o salário mínimo da inflação.
“Do ponto de vista jurídico, precisa de uma emenda constitucional sim para não conceder atualização monetária [pela inflação ao salário mínimo]. Se fosse para dar acima da inflação, aí não, pode ser por uma lei ordinária”, afirmou.
Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset, também disse que não é necessário aprovar uma PEC [desindexando o salário mínimo da inflação] para conceder ganho real ao salário mínimo.
“A questão toda é o efeito colateral dessa decisão, que amplia bastante as despesas obrigatórias sujeitas ao teto e por isso inviabilizam o cumprimento do teto”, afirmou ele.
O g1 entrou em contato com o Ministério da Economia e questionou se é realmente necessário desindexar o salário mínimo da inflação, proposta estudada por Guedes, para dar aumento real ao mínimo. Entretanto, o governo se negou a responder à pergunta.
Limitações
Vilma Pinto, da IFI, lembra que a PEC emergencial, aprovada em 2021, determina que não poderá haver aumentos reais do salário mínimo (acima da inflação) sempre que as despesas obrigatórias da União superarem 95% da despesa total sujeita ao teto de gastos. Para 2023, porém, esse patamar ainda não foi atingido. A previsão é que os gastos obrigatórios somem 92,7% do total sujeito ao teto.
“A gente não tem essa situação de 95% das primárias obrigatórias, e a gente não descumpriu o teto. O reajuste ou não do mínimo acima da inflação vai depender de vários fatores, mas é uma decisão política. O que não pode ser é abaixo da inflação”, afirmou ela.
Os gastos previdenciários e assistenciais obrigatórios, que sobem junto com o salário mínimo, porém, estão dentro do chamado teto de gastos — mecanismo que limita a maior parte das despesas à inflação do ano anterior.
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Com o aumento dessas despesas obrigatórias, e também das emendas de relator — conhecidas como orçamento secreto (relacionadas com a falta de transparência e esquemas de corrupção) —, está havendo compressão dos gastos livres do governo (em universidades, fiscalização, bolsas de estudo e farmácia popular, entre outros).
Gabriel Leal de Barros, da Ryo Asset, avalia que o salário mínimo poderia até subir mais se os benefícios previdenciários não fossem atrelados a ele.
Sem essa vinculação, o salário poderia subir e os benefícios previdenciários teriam um valor diferente (correção menor, ou sem reajuste).
“A vinculação entre o salário mínimo de trabalho e o de aposentadoria é uma restrição relevante para uma política de valorização e que deveria ser reavaliada”, disse.
William Bagdhassariam, do Ibmec, observou que um aumento grande do salário mínimo poderia, em tese, até gerar o efeito contrário, aumentando o desemprego.
Isso aconteceria, segundo ele, no caso de a demanda por trabalho (como um todo, ou um segmento determinado) estar em baixa. Na impossibilidade do patrão conceder um salário abaixo do mínimo no mercado formal, esses trabalhadores poderiam ser demitidos.
“O fato de ter esses preços que são rígidos, salário, educação, combustível, faz com que tenhamos economia menos eficiente”, afirmou.
Histórico do salário mínimo
De acordo com informações do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário mínimo serve de referência para 56,7 milhões de pessoas no Brasil, das quais 24,2 milhões de beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
O governo federal enviou ao Congresso Nacional a proposta de um salário mínimo de R$ 1.302 para 2023, com reajuste somente pela inflação, ou seja, pela estimativa do governo para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (INPC). Este será o quarto ano sem aumento real do salário mínimo, ou seja, sem elevação acima da inflação.
Esse formato foi adotado em 2020, quando a área econômica concedeu reajuste somente com base na inflação de 2019.
Com isso, o governo mudou a política de aumentos reais (acima da inflação) que vinha sendo implementada nos últimos anos, instituída no governo Dilma Rousseff. A política de reajustes pela inflação e variação do PIB (de dois anos antes) vigorou entre 2016 e 2019, mas nem sempre o salário mínimo subiu acima da inflação.
Em 2017 e 2018, por exemplo, foi concedido o reajuste somente com base na inflação porque o PIB dos anos anteriores (2015 e 2016) teve retração. Por isso, para cumprir a fórmula proposta, somente a inflação serviu de base para o aumento.