Em tempos de polarização e ascensão de figuras autoritárias, a integridade e a independência da mídia tornam-se pilares fundamentais para a manutenção da democracia. No entanto, o que acontece quando as instituições midiáticas, em vez de cumprirem seu papel de fiscalizadores do poder, cedem à pressão e à intimidação, comprometendo sua própria credibilidade e, por extensão, a saúde do debate público?
Essa é a questão central que motiva o trabalho da organização sem fins lucrativos Free Press, que desenvolveu um estudo perspicaz sobre a crescente tendência de veículos de comunicação “capitularem” diante de investidas autoritárias, especialmente no contexto da política estadunidense. O conceito de “Índice de Capitulação da Mídia” (tradução livre para o português) busca quantificar e qualificar o grau em que organizações de mídia se curvam às demandas e ao bullying de figuras poderosas, como Donald Trump, em detrimento de seus princípios editoriais e do interesse público.
A pesquisa da Free Press lança luz sobre um padrão preocupante: a crescente disposição de algumas empresas de mídia em ceder a pressões políticas e financeiras, seja por medo de retaliação, por busca de acesso privilegiado ou por alinhamento ideológico. Essa capitulação pode se manifestar de diversas formas, desde a suavização da cobertura crítica até a disseminação de desinformação e narrativas favoráveis a determinados atores políticos. O resultado é um enfraquecimento da capacidade da mídia de responsabilizar o poder e informar o público de maneira imparcial e completa.
É crucial compreendermos as raízes desse fenômeno. A fragilização do modelo de negócios da mídia tradicional, impulsionada pela ascensão da internet e das redes sociais, tornou muitas organizações mais vulneráveis a pressões financeiras e políticas. A busca por cliques e receitas publicitárias pode, em alguns casos, levar a decisões editoriais questionáveis, comprometendo a qualidade e a profundidade do jornalismo. Além disso, a crescente concentração da propriedade da mídia em mãos de poucos conglomerados poderosos aumenta o risco de que interesses particulares influenciem a cobertura jornalística.
A capitulação da mídia não é apenas um problema dos Estados Unidos. Em diversos países ao redor do mundo, vemos exemplos de veículos de comunicação que se tornam meros porta-vozes de governos autoritários ou de interesses corporativos, em detrimento do jornalismo investigativo e da defesa da liberdade de expressão. No Brasil, por exemplo, a polarização política e o discurso de ódio têm contribuído para um ambiente hostil à imprensa, com ataques e ameaças a jornalistas e tentativas de censura e intimidação por parte de autoridades e grupos extremistas (ABRAJI).
O que podemos fazer?
Diante desse cenário sombrio, é fundamental que a sociedade civil se mobilize para defender a independência e a integridade da mídia. Algumas estratégias importantes incluem:
- Apoiar veículos de comunicação independentes e comprometidos com o jornalismo de qualidade.
- Combater a desinformação e as notícias falsas, verificando a credibilidade das fontes e compartilhando informações confiáveis.
- Denunciar ataques e ameaças à imprensa e defender a liberdade de expressão.
- Promover a educação midiática, para que as pessoas possam desenvolver um olhar crítico em relação ao conteúdo que consomem.
A defesa da mídia livre e independente é uma responsabilidade de todos. Somente com uma imprensa forte e vigilante podemos garantir a transparência, a accountability e a vitalidade da democracia.