♪ Em 1983, Sandra Pêra percebeu que o trem da alegria das Frenéticas já estava sendo acionado por piloto automático, movido por interesses mais financeiros do que artísticos. Foi quando Sandra e Regina Chaves – outra integrante do sexteto feminino formado em 1976, na cidade do Rio de Janeiro (RJ) na democrática pista de dança da The Frenetic Dancin’Days Discotheque – decidiram saltar com o trem da alegria ainda em movimento.
Atriz, cantora, compositora, diretora de teatro e poeta, Sandra Pêra saiu do grupo que a transformara em popstar nacional na segunda metade da década de 1970 e, contratada pela gravadora WEA, se lançou em carreira solo com álbum gravado com produção musical de Liminha e repertório formado por dez músicas autorais.
Sete – Bem na minha testa, Blue azul, Eu te arraso, Nada é eterno, Pensando voando, Saca na gente e Se pode criar – eram parcerias de Sandra com Guilherme Lamounier (1950 – 2018), cantor, compositor e ator carioca que decidiu musicar quinze escritos reunidos pela artista em caderno do qual Lamounier se apropriou com o consentimento da autora desses escritos que viraram letras de música.
As outras três músicas eram parcerias de Sandra Pêra com Joyce Moreno (O tempo passou), Rosa Passos (O amor de hoje) e Ruban Barra (Barriga vazia). É esse álbum, intitulado Sandra Pêra e nunca editado em CD, que ganha edição digital na sexta-feira, 21 de outubro, através da Warner Music.
Capa da edição do álbum ‘Sandra Pêra’, de 1983 — Foto: Reprodução
Para celebrar a edição, o DJ Zé Pedro – entusiasta do disco – escreveu texto em que contextualiza a gênese do álbum Sandra Pêra. “ […] Uma gravidez abençoada, fruto de um paixão avassaladora, fez Sandra escrever compulsivamente, num caderninho, reflexões sobre o mundo, a vida e sobre si mesma. Esse verdadeiro diário, sem a pretensão de ser, acabou caindo na mão de um amigo de longa data, o cantor e compositor Guilherme Lamounier, que viu ali, mais do que confidências, ótimas letras a serem musicadas. E ele estava certo: na velocidade da luz, harmonizou quinze delas e onze geraram fita cassete que circulou pelo Rio de Janeiro até cair nas mãos do produtor Liminha”, historia Zé Pedro.
Com arranjos de Eduardo Souto Neto, o álbum solo de Sandra Pêra foi promovido com a música Saca na gente, cuja letra fazia trocadilho com a palavra sacanagem no verso-título.
Embora o disco não tenha surtido o efeito comercial esperado pela gravadora, a WEA ainda avalizou a entrada da cantora em estúdio para gravar o single Sandra Pêra nº 2, lançado em 1984. Raridade fonográfica, o single apresentou as músicas A matéria do amor (Ruban Barra e Sandra Pêra) e Vem pro colo (Guilherme Lamounier e Sandra Pêra), ambas incorporadas à edição digital do álbum de 1983 em que Sandra gravou com a irmã Marília Pêra (1943 – 2015) o Blue azul, faixa que arremata o disco.
Na letra de O tempo passou, parceria com Joyce Moreno, Sandra Pêra parece justificar a saída do grupo As Frenéticas nos versos “Eu quero outro som, outro rock, outro blues / Porque repetir já não me satisfaz / O meu grande prazer é o que te seduz / Mas cantar certas coisas / Não dá, não dá mais”, como ressalta o DJ Zé Pedro no texto.
Muito mais tempo se passou, Sandra Pêra voltou para as Frenéticas no revival de 1992, recaiu na gandaia em dupla com Dhu Moraes em 2016 no show Duas feras perigosas (eternizado em DVD editado em 2019) e, 38 anos após o álbum de 1983, retomou a discografia solo com o bom álbum de 2021 em que deu voz ao cancioneiro de Belchior (1946 – 2017).
Para quem acompanhou a artista, a edição digital do álbum Sandra Pêra é a reconstituição do pedaço que faltava na história fonográfica dessa artista que teve coragem de saltar do trem da alegria antes de o combustível chegar ao fim.