Como se proteger de tristeza, raiva e medo após eleição | Saúde

Debates acalorados, ânimos acirrados, opiniões opostas… A eleição presidencial pode ser fonte importante de estresse — que, por sua vez, é um dos fatores de risco por trás de transtornos mais sérios, como ansiedade e depressão.

De acordo com psiquiatras, a probabilidade de desenvolver um quadro desses é ainda maior quando a disputa fica polarizada demais e adversários políticos passam a ser vistos como inimigos, que precisam ser derrotados a qualquer custo.

Além de fazer mal à democracia, esse tipo de pensamento representa uma ameaça à própria saúde mental das pessoas que nutrem sentimentos tão intensos, explicam os médicos.

A boa notícia é que existem estratégias que ajudam a evitar uma piora da situação e a prevenir danos ao bem-estar, como fazer autoavaliação do comportamento, desligar das redes sociais e buscar uma avaliação com profissionais da saúde.

Origem das preocupações

A Associação Americana de Psicologia (APA) fez em 2020 um levantamento para entender o impacto das eleições presidenciais no dia a dia das pessoas.

O estudo revelou que 68% dos participantes encaravam a disputa política entre o democrata Joe Biden e o republicano Donald Trump como uma fonte significativa de estresse.

“O ano de 2020 foi diferente de tudo que já vivemos. Não apenas lidamos com uma pandemia que matou centenas de milhares de americanos, como observamos um aumento da divisão e da hostilidade”, analisou à época o psicólogo Arthur Evans Junior, presidente da APA.

Já uma investigação liderada pela Universidade da Califórnia em San Francisco, nos EUA, descobriu que estar do lado derrotado do pleito impacta a saúde mental.

Ao analisar as informações de meio milhão de americanos, os acadêmicos notaram que os moradores de Estados cuja maioria votou na democrata Hillary Clinton, que perdeu a disputa, relataram mais transtornos um mês após as eleições de 2016.

De acordo com os cálculos, isso se traduziu em 54,6 milhões de dias a mais de estresse e depressão para os 109,2 milhões de adultos que vivem nos Estados que preferiram Clinton.

“Os profissionais de saúde devem considerar que as eleições podem ter um efeito, ao menos transitório, na piora da saúde mental”, constatou a médica Renee Hsia, uma das responsáveis pelo trabalho.

O assunto ganhou uma repercussão tão grande em terras americanas que alguns profissionais de saúde desenvolveram até um termo para descrevê-la: transtorno de estresse eleitoral.

Embora não seja uma enfermidade oficialmente aceita nos manuais de psiquiatria, alguns acadêmicos a descrevem como “uma ansiedade generalizada que foca na eleição, mas não é causada apenas por ela”.

Um dos criadores do conceito é o terapeuta Steven Stosny. Ele aponta que os principais sintomas são dificuldades para dormir, dor de cabeça, problemas estomacais e aumento da irritabilidade ou da ansiedade.

O ingrediente por trás de tudo

No final das contas, o que esse rol de experimentos americanos revela é o papel de destaque do estresse no comportamento e nas emoções.

O médico Daniel Martins de Barros, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, explica que o estresse é um conjunto de reações do nosso organismo quando estamos diante de situações novas, que requerem algum tipo de adaptação e enfrentamento.

“Essas mudanças geram uma série de reações no nosso corpo para deixar a atenção afiada, o raciocínio veloz, os músculos tensos e o coração acelerado”, diz.

A princípio, esse conjunto de alterações é bem-vindo. Foi esse mecanismo que permitiu à nossa espécie identificar os perigos e responder de forma rápida — geralmente fugindo ou lutando.

“A questão é quando esse estresse se transforma em algo crônico”, diferencia o psiquiatra.

“Uma demanda constante por mudanças e adaptações leva a desgastes no organismo e aumenta o risco do desenvolvimento de quadros como a ansiedade e a depressão”, acrescenta.

Não é segredo para ninguém que as eleições no país estão polarizadas e geram disputas muito intensas. Mas será que é possível medir o estresse da população neste momento?

Embora não existam muitas pesquisas publicadas sobre o tema no Brasil, Barros observa que a corrida presidencial de 2022 parece diferente do que aconteceu há quatro anos.

“Me parece que a maioria das pessoas aprendeu a lição em 2018 e criou mecanismos para não entrar em conflitos ou brigas. Entre amigos e familiares com visões opostas, parece existir uma espécie de pacto de silêncio sobre o tema”, avalia.

“Mas é claro que não podemos ignorar os episódios de violência entre adversários políticos registrados nessas últimas semanas”, complementa.

Já o psiquiatra Lucas Spanemberg, do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, entende que a participação política pode ter dois lados.

“É algo paradoxal, mas engajar-se numa campanha é bom ao trazer uma sensação de pertencimento, de participação cívica, de protagonismo, de influência positiva no futuro do país”, lista.

“O problema é quando isso passa do ponto e gera uma tentação autoritária, em que a discussão se centra apenas no ataque ao adversário por meio da raiva, do ódio e da rejeição”, compara.

“Do ponto de vista da saúde mental, isso é negativo e pode trazer ansiedades”, aponta.

O papel das redes sociais

Os médicos ouvidos pela BBC News Brasil acreditam que o acirramento dos ânimos se deve em parte às mídias sociais.

Barros aponta que temos uma tendência natural de favorecer as pessoas que reconhecemos como semelhantes — e somos mais críticos e duros com quem é de fora do nosso grupo social.

“Nós combatemos essa tendência com mecanismos civilizatórios, como a justiça social e a transparência”.

“A ideia de defender um ponto de vista e criar divergências faz parte da natureza humana. Mas os algoritmos das redes sociais favorecem o que a gente chama de viés de confirmação”, ensina Spanemberg, que também trabalha no Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Em termos práticos, essas plataformas são configuradas de modo a mostrar apenas conteúdos que se encaixam naquilo que a gente acredita.

Em longo prazo, isso cria uma falsa sensação de que todo mundo pensa igual — opiniões divergentes são tão raras nessas redes que acabam ignoradas, ou atacadas com toda a força.

“Ficamos, ao mesmo tempo, com a sensação de que somos validados o tempo todo, e com uma dificuldade de transitar com o diferente e o contraditório”, resume o psiquiatra.

O que acontece com quem ganha e quem perde

O psicanalista Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, destaca que a atitude após uma vitória ou uma derrota também influencia não apenas no futuro político do país, mas no acirramento de ânimos nas relações pessoais.

“Na história brasileira, o lado vitorioso costuma usar o sarcasmo e a humilhação como ferramentas diante do derrotado.”

E isso, por sua vez, gera uma reação de vingança, raiva e rancor entre quem perdeu.

“Me parece que ainda precisamos aprender a ganhar ou perder durante a disputa política”, conta.

“Outra falha que temos é a noção de que os líderes são infalíveis, não podem errar ou voltar atrás. Isso cria figuras de autoridade que são inflexíveis, o que se reflete no comportamento da sociedade”, completa.

Mas será que existe um caminho para lidar com um problema desse tamanho e fugir dos sentimentos de raiva, tristeza ou medo durante e após as eleições?

Há pelo menos sete recomendações básicas que ajudam a refletir sobre as emoções e o comportamento — e como eles impactam a saúde mental.

Tudo começa com um processo de autoavaliação. Como você reage quando uma pessoa diz algo que vai contra o que acredita? Isso te causa um estresse muito grande? Uma conversa sobre política gera um mal-estar ou uma sensação ruim em você ou nos demais participantes?

“Há algo de errado quando as suas posições políticas limitam as conversas dentro da própria família, ou os grupos de WhatsApp deixaram de ser um lugar de confraternização para virar um terreno de disputa política”, exemplifica Spanemberg.

Vale também checar se esse comportamento impede você de fazer qualquer atividade profissional e de lazer ou prejudica os relacionamentos.

Em segundo lugar, os médicos orientam ficar atento se você acha que está sempre correto em tudo.

“Ninguém está certo em 100% das vezes”, lembra Barros.

“Pense se você já discordou alguma vez do grupo com o qual interage mais. Se isso nunca aconteceu, você pode estar sendo manipulado”, complementa.

O terceiro ponto é exercitar o consenso. Ao conversar com pessoas que têm visões antagônicas, tente encontrar pontos em comum que todos podem concordar.

Isso ajuda a criar laços e mostrar que, mesmo quem tem visões diferentes sobre vários assuntos, pode estar de acordo em alguns pontos, apontam os pesquisadores.

A dica número quatro é tentar não antecipar resultados ou quais serão as políticas do governo a partir de 2023.

Uma pesquisa feita pela Universidade do Estado da Carolina do Norte, nos EUA, revelou que pessoas que antecipam cenários sociais e econômicos e acham que vão se estressar com a política do próximo governante geralmente estão certas.

De fato, elas costumam sofrer mais com o estresse, mesmo antes que as coisas realmente aconteçam.

Os psiquiatras também sugerem que as pessoas façam pausas nas redes sociais e nas notícias. Isso ajuda a tirar o foco da disputa eleitoral e abre espaço para outras atividades mais relaxantes, como fazer um exercício físico ou passear num parque.

A sexta orientação é que as pessoas procurem ajuda profissional se sentirem que não estão melhorando. Passar por uma análise com o psicólogo ou com o psiquiatra ajuda a encontrar as fontes do estresse, da ansiedade ou da depressão — e permite escolher os melhores caminhos para tratar e resolver o transtorno.

Por fim, Barros acredita que as pessoas se esqueceram de um aspecto importante das eleições. “O processo democrático envolve a continuidade ou a troca de governos, a depender da vontade da maioria dos cidadãos”, diz.

A existência desses processos é algo saudável e fundamental não apenas para o funcionamento da democracia, mas também para o equilíbrio da nossa própria saúde mental, destaca.

Ele aponta que precisamos encarar a oposição ao governo da vez como parte do processo democrático — e não como um inimigo que deve ser eliminado.

Segundo o psiquiatra, lidar com pessoas que a gente não gosta faz parte do convívio em sociedade. E entender isso pode até ajudar a aliviar o estresse e a carga emocional que vêm junto com os debates e as propostas para melhorar o futuro do país.

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