Projeto de lei já aprovado em primeira instância visa a restringir e criminalizar entidades que são essenciais para denunciar excessos do regime e fornecer ajuda humanitária aos venezuelanos Nicolás Maduro durante discurso anual para a Assembleia Nacional da Venezuela
Ariana Cubillos/AP
Há 24 anos no poder, o regime chavista consolida o controle sobre as organizações não governamentais, ao aprovar, no primeiro debate, um projeto de lei que criminaliza e impõe restrições ao trabalho dessas entidades. Em sua maioria, elas são essenciais e atuam para denunciar os excessos e as arbitrariedades do governo, que já exerce domínio sobre os poderes Legislativo e Judiciário e eliminou boa parte da mídia independente.
Como justificativa, Diosdado Cabello, considerado o número 2 de Nicolás Maduro, disse ter identificado pelo menos 62 ONGs que operam com fins “absolutamente políticos”. “Elas recebem financiamento de outras nações, de outros governos com o objetivo de impor sua democracia”, afirmou ele no plenário da Assembleia Nacional, de maioria chavista.
A perseguição às ONGs é um denominador comum em autocracias como Cuba, Nicarágua, Rússia e China, para citar apenas algumas, que já aprovaram leis semelhantes para reprimi-las. Sob legislações rigorosas, essas entidades acabam asfixiadas e sem recursos para sobreviver.
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, fala a simpatizantes da Varanda do Povo do Palácio Presidencial de Miraflores
Ariana Cubillos/AP
No caso venezuelano, o projeto de lei apresentado por Cabello especifica multas de até US$ 12 mil para as que não cumprirem as exigências do governo. O vice-presidente citou ONGs que qualifica como fachadas, entre as quais a Provea, criada há 34 anos para defender o respeito pelos direitos humanos.
“Nosso trabalho não tem três dias. Capacitamos 5.800 pessoas e defensores da Venezuela”, informa a ONG, que já representou mais de 2 mil acusados em processos na Justiça. “Vamos seguir pelas vítimas de graves violações e pela dignidade humana”, avisa a Provea
O escopo das ONGs inclui ainda uma enorme rede assistencial que provê refeitórios populares, ações em escolas e medicamentos gratuitos e funcionam como janelas de apoio para os venezuelanos, observa o coordenador Rafael Uzcátegui. Tudo isso está sob risco com a ofensiva do regime de Maduro.
Presidente venezuelano Nicolás Maduro durante discurso anual para a Assembleia Nacional da Venezuela
Ariana Cubillos/AP
No plenário da Assembleia, Cabello explicou que o objetivo não é eliminar as entidades, mas pôr ordem no setor. A Anistia Internacional condenou o projeto, que, se aprovado, vai submetê-las a medidas abusivas e processos criminais: “As medidas incluem a divulgação de informações sobre seu financiamento, pessoal e governança e violariam os direitos de associação e privacidade, colocando as ONGs e seus beneficiários em grave risco de criminalização e represálias.”
A atuação das ONGs venezuelanas nos permite saber, por exemplo, que a Venezuela tem 309 presos políticos, segundo relatos da organização Justicia, Encuentro y Perdón. E que em 2022 houve 10.737 mortes violentas no país, 344 a menos do que no ano anterior, de acordo com o Observatório Venezuelano de Violência. Os relatórios produzidos por mais de 400 entidades que operam na Venezuela serviram de subsídios para ações na ONU e no Tribunal Penal Internacional.
Diante da falta ou da manipulação de estatísticas oficiais, elas servem como referência para retratar a realidade de violência, pobreza e violações de direitos humanos. Fornecem os dados que o regime tenta esconder. Em suma, como resumiu o padre Luis Ugalde, ex-reitor da Universidade Católica Andrés Bello, atacar as ONGs e atacar a vida nacional.