Há dois anos, mais de 3 mil pessoas participaram da invasão da sede do Congresso americano. Investigação busca responsabilizar os coordenadores e mandantes da ação. Há dois anos, mais de 3 mil pessoas participaram da invasão da sede do Congresso americano
Reuters via BBC
Dois anos depois da invasão do Capitólio, o edifício que abriga o Congresso na capital dos Estados Unidos, mais de 950 pessoas, das mais de 3 mil que participaram da ação, foram presas nos 50 Estados do país.
O Departamento de Justiça divulgou um balanço das investigações até o momento. E a estratégia da apuração e punição dos responsáveis revela que houve a preocupação de partir dos envolvidos diretamente com o ataque para, aos poucos, alcançar os possíveis coordenadores e mandantes.
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Por isso, as primeiras condenações foram leves, e as sentenças mais graves e de prazo mais longo ainda não foram anunciadas.
No dia 6 de janeiro de 2020, manifestantes furaram o bloqueio da polícia do Capitólio, do lado de fora do Congresso, por volta da 1 hora da tarde. Meia hora depois eles já estavam na porta do Capitólio.
Às 14 horas manifestantes quebraram a primeira janela do edifício e a invasão começou. Foram quatro horas de quebra-quebra e vandalismo. Somente às 18 horas a polícia começou a varredura e assegurou controle do Capitólio.
Nos primeiros seis meses após a invasão, 535 pessoas foram presas. Uma média de três por dia. No fim do ano de 2020, 725 cidadãos tinham sido acusados por crimes federais.
Mas no dia da invasão, a polícia do Capitólio prendeu apenas 14 pessoas. O Departamento de Polícia do Distrito Federal prendeu outras seis.
O trabalho do Departamento de Justiça tem sido cuidadoso e cumulativo, levado a cabo por um grupo de 20 promotores públicos que também têm o apoio de agentes do FBI, a polícia federal americana.
Os primeiros acusados, julgados e sentenciados foram pessoas que agiram no dia 6 de janeiro de 2021. Essas pessoas foram filmadas, fotografadas e flagradas cometendo crimes dentro do Capitólio.
O governo também investiga as perdas materiais, um trabalho que ainda não terminou, mas já identificou danos no valor de US$ 2,7 milhões (R$ 14,3 milhões).
A investigação tem outras linhas de trabalho: busca os responsáveis que planejaram e organizaram a invasão e ações que ao longo dos meses de novembro e dezembro tentaram reverter o resultado das eleições de 2020 nos Estados onde a disputa foi mais acirrada.
Com relação a possíveis mandantes do crime, assessores do ex-presidente Donald Trump, derrotado nas urnas por Joe Biden, já prestaram depoimento à Justiça. Marc Short, chefe de gabinete do ex-vice-presidente Mike Pence, também já foi ouvido.
Na outra linha de investigação, sobre a tentativa de reverter o resultado das eleições, os promotores públicos reuniram dados a respeito da criação de listas falsas de delegados do colégio eleitoral em sete Estados do país.
A suposta lista dos eleitores falsos seria enviada e entregue em Washington, e eles votariam em Donald Trump, apesar do resultado da eleição nesses Estados ter dado vitória a Joe Biden.
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Conivência de autoridades
As imagens do ataque aos prédios públicos de Brasília no domingo (8/1) têm semelhanças fortes com o que se viu nos Estados Unidos. Outro aspecto das investigações americanas, que pode se repetir no Brasil, é a possível conivência de algumas autoridades.
A Comissão de Inquérito da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos apontou que agentes federais detectaram os planos dos invasores com antecedência. Sabiam que integrantes do grupo extremista Proud Boys tinham a intenção de cometer atos violentos em Washington.
Mas o chefe de polícia da capital não se preparou para conter os manifestantes e, agora, está sob investigação e suspeita de ter relações estreitas com os líderes do Proud Boys.
Além da equipe de promotores e dos agentes do FBI, a investigação, que entra agora no terceiro ano de trabalho, também conta com a ajuda de investigadores voluntários que reviram a internet em busca de provas.
São organizações e indivíduos que vasculharam mais de 5,1 mil perfis do Facebook, 1,4 mil contas do YouTube, 600 perfis do Instagram, 1,6 mil contas do Twitter, outras 200 do Rumble e mais 900 do TikTok.
Mais de 100 pessoas que estavam na lista de agentes violentos da invasão do Capitólio, compilada pelo FBI, foram identificadas por esses voluntários.
O FBI está analisando mais de 30 mil vídeos de câmeras de policiais e de segurança. Ao todo, são mais de 9 terabytes de informação.
No Brasil, o influenciador Felipe Neto tomou a iniciativa de usar a conta que tem no Twitter para convidar outros brasileiros a ajudar a identificar as pessoas que participaram da invasão e do quebra-quebra nos prédios públicos de Brasília.
Enquanto 860 detidos nos Estados Unidos foram indiciados por entrar e permanecer em uma área restrita do governo federal, 50 foram acusados por conspiração.
São dois crimes de gravidade distinta com penas também diferentes. O julgamento do líder do grupo de extrema direita Oath Keepers foi observado de perto por promotores públicos e por advogados de outras lideranças e organizações radicais.
Stewart Rhodes é o fundador dos Oath Keepers
Reuters via BBC
Stewart Rhodes, o homem de 57 anos que usa um tapa olho e lidera o Oath Keepers, já foi condenado por sedição. Outros quatro membros do Oath Keepers estão no banco dos réus no momento em Washington.
O promotor Troy Edwards abriu o julgamento deles acusando os quatro de terem aceitado o convite de Rhodes para perverter a ordem constitucional e tentar barrar a transição pacífica de poder à força.
Segundo Edwards, eles estavam em contato direto com o líder Stewart Rhodes e tinham a intenção de promover uma guerra civil para manter Trump no poder.
Stewart Rhodes e o braço direito dele, Kelly Meggs, líder do grupo na Flórida, foram condenados por um júri popular, no dia 29 de novembro, depois de dois meses de julgamento.
A acusação que pesou contra eles é a mais séria já apresentada na Justiça até o momento nos processos ligados à invasão do Capitólio. Eles foram condenados por conspirar e organizar a sedição.
Outros três membros do grupo também foram julgados com eles, mas não foram condenados por tentativa de sedição e, sim por conspirar para obstruir o trabalho do Congresso que confirmava a vitória eleitoral do presidente Joe Biden. Eles podem ser condenados a até 20 anos de prisão.
Ataque à democracia
A Justiça ainda não marcou a audiência na qual a sentença de todos eles será anunciada, mas Rhodes ainda tem a chance de negociar uma pena em troca de informações que levem à condenação de outros responsáveis. Se ele não aproveitar essa oportunidade, pode passar o resto da vida na cadeia.
Durante o julgamento de Rhodes, os jurados viram imagens de membros do grupo desembarcando em um hotel da Virgínia e estocando ali um arsenal de armas e munições que, diziam, poderiam ser usados e levados de barco para a capital do país.
Membros do Proud Boys também estão sendo julgados. O líder da organização, Henry Tarrio, não estava em Washington quando a invasão do Capitólio aconteceu. Mas observava tudo de um quarto de hotel em Baltimore, em Maryland. Ele também é acusado de conspirar para cometer sedição.
O trabalho da promotoria é, novamente, convencer os 12 membros do júri popular que não houve uma explosão espontânea no dia 6 de janeiro de 2021 e, sim, um ataque premeditado à democracia.
A seleção do júri popular levou duas semanas e os primeiros depoimentos do caso serão ouvidos na terça-feira (10/1).
Eles são acusados de coordenar a movimentação de 200 a 300 pessoas dentro e fora do Capitólio no dia 6. Até agora, 48 integrantes do Proud Boys já foram indiciados, 16 admitiram culpa e alguns estão colaborando com as investigações, fornecendo informações.
O Departamento de Justiça americano designou Jack Smith como promotor especial para supervisionar as investigações, e ele escolheu dois assessores diretos para dar continuidade ao trabalho que agora tem como foco chegar aos possíveis mandantes do crime e determinar até que ponto se pode responsabilizar Trump pelo que aconteceu.
No dia da invasão, o ex-presidente convocou manifestantes para uma concentração chamada Stop the Steal (Parar o Roubo, em tradução livre), uma referência às fraudes nas eleições, que não aconteceram. Advogados de Trump moveram 60 ações na Justiça questionando o resultado das urnas e perderam todas elas.
A Comissão da Câmara dos Deputados que investigou o 6 de Janeiro divulgou um relatório de 800 páginas com as conclusões do trabalho que descreve um plano de várias etapas para barrar a transferência pacífica de poder e responsabilizar Donald Trump. “Sem ele”, diz o relatório, “nada disso teria acontecido”.
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O Ministério da Justiça brasileiro disse que cerca de 1,2 mil pessoas foram detidas e levadas para a sede da Polícia Federal (PF) em Brasília depois que palácios do governo foram invadidos.
A maioria das prisões aconteceu em frente ao quartel-general do Exército na segunda-feira (9/1), onde apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estavam acampados desde dezembro. De acordo com a polícia, dezenas de ônibus foram usados na operação.
Na noite de domingo, o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), afirmou que 200 pessoas foram presas em conexão com atos de vandalismo na capital do Brasil. Dino afirmou que 40 ônibus foram apreendidos após serem usados para transportar manifestantes de outras regiões do país para Brasília.
A investigação agora está tentando estabelecer quem financiou os protestos. Em mensagens enviadas ao longo da semana no Telegram, os organizadores ofereciam vagas em “ônibus gratuitos” com “tudo de graça: água, café, almoço, jantar”.
As inspeções dentro dos palácios do governo incluem a coleta de vestígios de DNA deixados em superfícies e itens pessoais deixados para trás. Imagens de drone coletadas pela PF durante os ataques também estão sendo usadas para ajudar a identificar os manifestantes.