O título parece um tanto pomposo, mas corresponde à realidade, de acordo com a avaliação da psicóloga Rajita Sinha, professora da faculdade de medicina de Yale e diretora do centro de estresse da universidade. Num painel virtual sobre os desdobramentos emocionais da pandemia realizado pelo Projeto Longevidade, da Universidade Stanford, foi enfática:
“Assistimos a um grande sofrimento de crianças, adolescentes, adultos e idosos, todos vítimas de ansiedade e depressão. Ainda vivemos um estresse planetário, um trauma coletivo cujo impacto, físico e mental, atravessa diferentes recortes. Inclui não somente a doença, mas perdas, luto, insegurança financeira e suporte social, cujos efeitos são de longo prazo”.
Rajita Sinha, professora da faculdade de medicina da Universidade Yale — Foto: Yale University
Na universidade, pesquisadores estão empenhados em detalhar as consequências da Covid-19 na diminuição da expectativa de vida dos norte-americanos. “Sabemos que o estresse crônico é um fator de aceleração do envelhecimento e afeta a expectativa de vida. Nossa idade biológica, ou seja, a do organismo, avança em relação à idade cronológica, nos tornando mais velhos do que consta no documento de identidade. Queremos quantificar esse processo através de marcadores de envelhecimento em indivíduos de meia-idade e idosos no cenário da pandemia. Dependendo da forma como a pessoa vem conseguindo lidar ou não com os desafios que a cercam, sua expectativa de vida pode ter uma redução de seis meses a cinco anos”, afirmou Sinha. Aliás, no Brasil, a expectativa de vida caiu 4,4 anos em 2021, em consequência da pandemia: de 76 para 72,3 anos.
A psicóloga, uma referência mundial sobre a relação entre quadros severos de estresse e comportamentos de dependência e violência, lamenta o crescimento do número de suicídios de crianças nos EUA e analisa: “a situação familiar foi comprometida como um todo. Temos um conjunto de fatores que vai do isolamento a laços sociais rompidos, da perda de entes queridos à insegurança financeira. A escola e os professores, que têm um papel significativo em situações de crise, também foram impedidos de atuar no auge da pandemia, o que só aumentou o trauma”.
No entanto, ela aponta para a importância dos avós como agentes capazes de atenuar esse sofrimento: “a população afrodescendente foi duramente atingida pela Covid, mas os mais velhos funcionaram como um poderoso ponto de apoio, capaz de amortecer o impacto do trauma”.
“A convivência intergeracional mostrou que os avós tiveram papel da maior relevância para diminuir o estresse dos netos”.
Entretanto, fez uma ressalva: eles funcionaram como um porto seguro para crianças e adolescentes em ambientes familiares onde havia o convívio entre gerações: “o idoso isolado e sozinho se torna vulnerável, o que mostra que todos precisam uns dos outros”, resumiu.
Na opinião da professora Rajita Sinha, a telemedicina pode ajudar na superação desse trauma coletivo provocado pela Covid-19. Sugere o emprego da terapia de curto prazo, mas adverte que é fundamental que a iniciativa seja encampada pelos governos, que deveriam preparar centros comunitários para atender a casos de estresse: “é preciso que as famílias tenham todo o suporte necessário. Nos Estados Unidos, um indivíduo leva, em média, até 11 anos para receber tratamento para problemas emocionais e mentais”.
No mesmo evento on-line, Kelly Greenwood, fundadora da Mind Share Partners, empresa de consultoria voltada para a criação de uma cultura de apoio à saúde mental no ambiente de trabalho, salientou que é uma responsabilidade organizacional que o clima pós-Covid seja acolhedor: “antes, bastavam ações de conscientização para superar o estigma em relação a dificuldades emocionais. Agora, o comando da empresa deve ter atenção redobrada para questões como microagressões, longas jornadas e insegurança profissional. O racismo estrutural leva minorias a serem alvos de uma carga ainda maior”.
Greenwood citou dois levantamentos realizados pela Mind Share com trabalhadores em tempo integral que mostram a delicadeza da situação: em 2019, 59% relatavam ter sofrido de algum problema emocional ou mental; em 2021, o percentual tinha saltado para 76%. “O aspecto positivo é as pessoas estarem falando mais abertamente sobre o assunto. A participação do principal líder pode ser uma ferramenta poderosa para mudar a cultura da organização. Se abordar o assunto com seus colaboradores, inclusive compartilhando dificuldades que já tenha enfrentado, pessoalmente ou com alguém próximo, ele se transformará num agente de mudanças”.