Carlos Rennó, Chico César, Diogo Nogueira, Hamilton de Holanda, Djavan, Erasmo Carlos, Gloria Groove, Gustavo Ruiz, José Miguel Wisnik, Joyce Moreno, Marcos Portinari, Pablo Bispo, Ronaldo Bastos, Ruxell, Seu Jorge, Tim Bernardes e Tulipa Ruiz assinam músicas que sobressaíram no ano. Um painel com compositores que fizeram grandes canções lançadas ao longo de 2022
Divulgação / Montagem g1
♪ RETROSPECTIVA 2022 – Talvez soe anacrônico falar em canção em 2022. Em um tempo em que a indústria da música valoriza cada vez mais o uso de batidas sintéticas, em que produtores são creditados como compositores justamente porque o beat já parece ser mais importante do que a melodia e a harmonia, a canção parece confinada a algum lugar do passado.
Talvez soe ainda mais anacrônico fazer lista com dez canções que se destacaram em 2022, como o Blog do Mauro Ferreira apresenta hoje, 19 de dezembro, dando início à retrospectiva do ano na visão particular do colunista e crítico musical.
Afinal, em mercado cada vez mais fragmentado e estruturado em nichos, em que o público de um determinado segmento geralmente ignora a música consumida pelos ouvintes de outros segmentos, é impossível rastrear a produção musical anual de um país de dimensões continentais como o Brasil. Um país com trilha sonora pautada pela diversidade e pela produção e edição incessantes de centenas de músicas a cada semana.
Por isso mesmo, cabe ressaltar que as dez canções eleitas pelo Blog do Mauro Ferreira jamais devem ser interpretadas como as “melhores do ano”. São, sim, canções que se destacaram na percepção individual do crítico, dentro de raio de visão / audição limitado diante da monumental quantidade de canções produzidas e lançadas no Brasil ao longo de 2022.
♪ Feito o esclarecimento, eis – em ordem alfabética – dez canções com habilidades extraordinárias para transcender o ano de 2022:
1. Brasileiras canções (Joyce Moreno)
– Música-título do álbum lançado por Joyce Moreno em 5 de agosto, Brasileiras canções é um dos títulos mais reluzentes da atual safra autoral da artista ao lado do samba Todo mundo. A letra de Brasileiras canções exalta o poder da criação musical quando o céu do Brasil estava encoberto pelo pano sombrio da pandemia e do desgoverno. Uma canção da cor brasileira desta requintada cantora, compositora e violonista carioca.
2. Do acaso (Chico César e Ronaldo Bastos)
– Em ano em que a intensa produção autoral de Chico César veio sendo escoada em singles e álbuns, o artista paraibano abriu parceria com Ronaldo Bastos, poeta e letrista fluminense associado ao Clube da Esquina. Do acaso chegou ao mundo em 25 de novembro em single que apresentou uma das mais belas e densas canções do universo da MPB nos últimos tempos. A beleza da música foi realçada pelo canto intenso de Alice Caymmi em dueto com o próprio Chico César.
3. Estardalhaço (Gustavo Ruiz e Tulipa Ruiz)
– Sem alarde, Tulipa Ruiz gravou o primeiro álbum de músicas inéditas em sete anos, Habilidades extraordinárias. Parceria da artista paulistana com o irmão Gustavo Ruiz, guitarrista e produtor musical do disco lançado em 23 de setembro, Estardalhaço sobressaiu no repertório autoral e se tornou o hit do show estreado pela cantora em outubro em São Paulo (SP). Adornado com o toque do acordeom de Toninho Ferragutti, o arranjo de Estardalhaço persegue densidade condizente com a letra em que Tulipa versa sobre abusos.
4. Fim do horizonte (Diogo Nogueira, Hamilton de Holanda, Seu Jorge e Marcos Portinari)
– Single inédito e avulso que aportou nos aplicativos de música em 8 de abril, Fim do horizonte revelou grande música composta em 2015 na turnê europeia do álbum Bossa negra (2014), disco que uniu o cantor Diogo Nogueira com o bandolinista Hamilton de Holanda. Afro-samba embasado com a batida ancestral do jongo, Fim do horizonte emergiu no mar da Bahia ao retratar o jogo de sedução de marinheiro pescador para fisgar o amor de morena em cenário povoado por oferendas à orixá Iemanjá, camarão e abará. Se a letra remeteu ao universo mítico do cancioneiro praieiro de Dorival Caymmi (1914 – 2018), a música evocou inevitavelmente a matricial obra de Baden Powell (1937 – 2000) com Vinicius de Moraes (1913 – 1980).
5. Jequitibá (José Miguel Wisnik e Carlos Rennó)
– Ao lado do samba Chorou e riu, a canção Jequitibá é a pérola jogada aos povos pelo compositor paulistano José Miguel Wisnik em Vão, álbum autoral lançado em 12 de agosto. Jequitibá é parceria de Wisnik com Carlos Rennó, gravada para o disco com a adesão vocal da cantora Ná Ozzetti. Na letra, Rennó enaltece o jequitibá enraizado em São Paulo (SP) antes de a cidade ganhar monumentos e ar cosmopolita.
6. Nascer, viver, morrer (Tim Bernardes)
– Celebração metafísica da vida, a canção chegou ao mundo em 3 de maio em single que deu a primeira amostra do segundo álbum solo de Tim Bernardes, Mil coisas invisíveis, apresentado em 14 de junho com magnífica safra autoral que também destacou A balada de Tim Bernardes e a canção Fases. A existencialista Nascer, viver, morrer confirmou o artista paulistano como o maior compositor surgido no Brasil no século XXI. Na letra, Tim narra ciclo existencial, abordando (re)nascimento no meio da vida com magia, dentro da realidade possível. Cada ação desse ciclo – nascer, viver, morrer – se desenrola em sequência até o entrelaçar final dos temas dessa obra-prima em forma de canção.
7. Praga (Erasmo Carlos e Tim Bernardes)
– Dentre as joias modernas cantadas por Alaíde Costa no álbum O que meus calos dizem sobre mim, lançado em 19 de maio, há Turmalina negra (Céu e Diogo Poças) e a requintada balada Pessoa-ilha (Ivan Lins e Emicida). Há também Praga, primeira parceria do carioca Erasmo Carlos (1941 – 2022) com o paulistano Tim Bernardes, articulada por Marcus Preto, produtor do disco. Erasmo mandou música mais light, à moda do Tremendão. Como Emicida ficou sem tempo para fazer a letra, Preto pediu a Tim que escrevesse os versos da música. Veio Praga, letra cheia de amargura e sentimento de vingança, bem ao estilo dos sambas-canção de Lupicínio Rodrigues (1947 – 1974). Ao ser gravada, Praga ganhou a forma de samba-canção, ornado com metais orquestrados por Eduardo Neves em arranjo que remeteu aos salões dos anos 1950 em que Alaíde Costa trabalhou como crooner.
8. Primeira estrada (Djavan)
– Balada refinada que abre o álbum D, Primeira estrada se impôs como o grande trunfo da safra autoral reunida por Djavan no disco lançado em 11 de agosto. Na letra poética, o compositor alagoano versa sobre “navios ávidos” ancorados no porto inseguro das paixões. A gravação de quase cinco minutos reitera o requinte harmônico que pauta o cancioneiro do artista. Primeira estrada é Djavan à altura de Djavan.
9. Vermelho (Gloria Groove, Pablo Bispo, Ruxell e MC Daleste)
– Vermelho foi a cor mais quente para Gloria Groove em 2022 por conta dessa música que se tornou hit nas pistas e que contribuiu para o segundo álbum da artista, Lady Leste, se tornar clássico instantâneo do pop brasileiro ao ser lançado em 10 de fevereiro. O funk Vermelho embute sample de Mina de vermelho (2012) porque, na faixa, Gloria Groove celebra o legado de Daniel Pedreira Senna Pellegrine (1992 – 2013), o MC Daleste, funkeiro paulista morto a tiros, aos 20 anos, quando fazia show em Campinas (SP).
10. Vestido de amor (Chico César)
– Sopro de leveza pop bafejou o mundo digital em 24 de junho com a edição do single que apresentou a canção-título do álbum que seria lançado por Chico César em 23 de setembro. O coro do quarteto vocal Aestesis arremata, com versos em francês, gravação aliciante em que o cantor parece flutuar na batida dançante dessa canção moderna que emana ótimas vibrações. Vestido de amor é música diferenciada no vasto cancioneiro autoral de Chico César.