Longa do diretor de ‘Operação Big Hero’ e ‘Raya e o Último Dragão’ traz o primeiro personagem assumidamente LGBTQIA+ de uma animação da Disney. Volta e meia, os estúdios Disney deixam de lado histórias de princesas e musicais, como “Frozen” (2013), “Moana” (2016) ou “Encanto” (2021), para experimentar outros gêneros em suas animações, como aventuras.
“Mundo Estranho”, que estreia nos cinemas nessa quinta-feira (24), é mais uma dessas tentativas. Mas não foi dessa vez que a casa do Mickey Mouse conseguiu um bom resultado nesse estilo.
Assista ao trailer do filme “Mundo Estranho”
A trama se passa em Avalonia, um país cercado por montanhas que deixa seus habitantes isolados do resto do planeta. Um de seus moradores é Searcher Clade, filho de um explorador lendário, que desapareceu quando tentava ir além da barreira natural criada pelas montanhas.
Ao contrário do pai, o protagonista preferiu ter uma vida mais pacata como um fazendeiro, que cultiva uma planta com propriedades elétricas, usadas para fornecer energia para a comunidade.
Ethan, sua mãe Meridian, e seu pai, Searcher, embarcam numa aventura em “Mundo Estranho”
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Aos poucos, as plantas começam a ser afetadas por uma misteriosa praga. Para impedir o colapso da da comunidade, dependente da energia vegetal, Searcher é convidado a participar de uma missão para encontrar a causa para o mal, que pode estar na parte mais profunda do país, e destruí-la, antes que seja tarde.
Durante a expedição, Searcher, junto de sua esposa Meridian, seu filho Ethan e o cachorro Lenda, reencontra seu pai e, juntos, descobrem um novo mundo com muitas coisas encantadoras, mas também perigosas.
Criação de universo é um dos grandes destaques de “Mundo Estranho”
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Universo exuberante
Um dos pontos altos de “Mundo Estranho”, dirigido por Don Hall (vencedor do Oscar por “Operação Big Hero”) está na criação do universo que existe na parte subterrânea de Avalonia.
Os animais, desde os mais dóceis até os mais agressivos, e as plantas apresentam diferentes e criativas formas, que fazem da animação um verdadeiro colírio para os olhos do espectador. Todas as cenas que mostram essa região são bem exuberantes e atingem o objetivo de fascinar o público.
Outro destaque é a curiosa mistura de passado e futuro no design das máquinas usadas pelos personagens, seja a nave usada para a exploração, ou os veículos que os habitantes de Avalonia pilotam em suas ruas. Tudo parece ter inspiração nas antigas histórias de ficção científica, com toques de mangás japoneses.
Isso sem falar na estética adotada para a animação em si, que deixa claro a inspiração nos antigos livros de exploração como “As Aventuras de Tintim”, ou de obras como “O Mundo Perdido”, de Arthur Conan Doyle (o criador de Sherlock Holmes). Assim, mesmo a animação computadorizada moderna do filme tem um ar de nostalgia, que pode agradar mais aos pais do que aos filhos.
Ethan faz amizade com Splat numa cena de “Mundo Estranho!
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Garoto normal
Mas “Mundo Estranho” tem um outro elemento que chama a atenção até mais do que sua belíssima construção de universo. Pela primeira vez, a Disney teve a coragem de criar um personagem realmente importante para a trama e que é, assumidamente, homossexual.
Há momentos que mostram Ethan, filho do protagonista, interessado por outro rapaz e que isso é considerado algo absolutamente normal.
Essa é a segunda produção da Disney em 2022 a destacar um personagem LGBQIA+ em suas histórias. A primeira foi “Lightyear”, em parceria com a Pixar, embora a personagem em questão fosse bem coadjuvante e tivesse participação limitada.
Já em “Mundo Estranho”, Ethan está em cerca de 90% do filme e é um dos maiores responsáveis por impulsionar a história. O jovem é um bom filho (e o melhor desenvolvido na história), mas, ligado em questões ecológicas, preferia ser um explorador como o avô, e não um fazendeiro como o pai.
O grande mérito do filme é mostrá-lo como um garoto típico de sua idade. Essa é a lição que a Disney quer passar, de que não deve haver discriminação por causa da sexualidade de ninguém.
Searcher (voz de Jake Gyllenhaal) tenta se entender com o pai, Jaeger (dublado por Dennis Quaid) em “Mundo Estranho”
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Excesso de DRs
Apesar de suas qualidades estéticas, “Mundo Estranho” sofre por causa de seu roteiro, escrito pelo co-diretor Qui Nguyen. Uma das questões mais sérias da trama está nos vários momentos em que Searcher e seu pai discutem a relação, em sequências cheias de clichês que param a ação e não chegam a lugar algum.
Para piorar, a mesma coisa também acontece com o protagonista e seu filho, o que deixa a sensação de que a missão de salvar Avalonia se tornou um mero pretexto para lavar roupa suja entre os personagens.
O recurso, embora seja visto como algo que possa causar identificação entre famílias que forem assistir ao filme, soa incrivelmente excessivo e desnecessário. “Os Incríveis” (2004), por exemplo, tratou das relações familiares bem melhor com décadas de vantagem.
Três gerações de uma mesma família encaram perigos em “Mundo Estranho”, da Disney
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Além disso, “Mundo Estranho” carece de boas cenas de ação e até de suspense, para dar ao público a impressão de que os personagens estão mesmo correndo perigo. Tudo é muito resolvido rapidamente e sem maiores brilhos. O diretor Don Hall conseguiu dar muito mais emoção em seu trabalho anterior, “Raya e o Último Dragão” (2021), por exemplo.
Outro problema no roteiro está na falta de humor. Não há grandes piadas no texto e alguns personagens, como alguns tripulantes da missão são sem graça e totalmente dispensáveis. Tanto que aparecem e desaparecem da história e suas ausências nem são sentidas.
A estranha criatura Splat se torna um dos mascotes da missão de “Mundo Estranho”
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Nem mesmo Splat, tentativa de alívio cômico do filme, chega a ser marcante. Ele mais parece um asterisco gigante feito de slime azul sem carisma, feito para vender bonequinhos (algo até admitido no meio do filme por um dos personagens). A título de comparação, o cachorro Lenda (que não tem uma das patas) é bem mais divertido.
Quem conseguir ver o filme em sua versão original, poderá ouvir as vozes de astros de Hollywood em alguns personagens, como Jake Gylllenhaal (que interpreta Searcher), Dennis Quaid (Jaeger) ou Lucy Liu (Callisto). A dublagem brasileira, feita com profissionais da área e sem a participação de atores ou influencers (algo que costuma não dar bons resultados) é bem realizada e competente.
“Mundo Estranho” vale como um bom passatempo para quem precisa levar os filhos ao cinema, mas não chega aos pés de outras produções feitas recentemente pela Disney, como “Zootopia” (2016). O estúdio ainda está devendo em entregar uma boa aventura animada. Fica para uma próxima.
Cena da animação “Mundo Estranho”, da Disney
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