“Casei com o amor da minha vida… Obrigado, Tinder“, tuitou Alexis Gutierrez, um jovem de 24 anos de Tacoma, nos Estados Unidos.
O cupido móvel do casal foi o aplicativo que criou o icônico sistema de paquera baseado na ideia de deslizar para a direita (se você estiver interessado) ou para a esquerda (se não) que — acredite ou não — comemora seu aniversário de 10 anos.
Uma década após a sua criação, o Tinder lidera um mercado de namoro online em expansão, com mais de 1.500 aplicativos semelhantes e uma receita projetada de US$ 2,85 bilhões (R$ 14,77 bilhões) em 2022, de acordo com o site de dados alemão Statista.
Mas como o aplicativo impactou o amor, o sexo e os relacionamentos? E o que virá pela frente? Apresentamos uma análise da evolução da paquera virtual.
Acredita-se que um dos primeiros anúncios de namoro foi publicado em 1727.
Ele supostamente apareceu no Manchester Weekly Journal e foi escrito por uma mulher inglesa que estava procurando por alguém com quem pudesse “compartilhar a vida”.
Mas o resultado estava longe de ser uma história de amor.
O Tinder completa dez anos neste dia 15 de setembro de 2022 — Foto: Getty Images via BBC
Helen Morrison foi aparentemente punida por seu anúncio e enviada para um manicômio por quatro semanas pelo prefeito, de acordo com a revista literária Lapham’s Quarterly.
Quase três séculos depois, acredita-se que mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo estejam usando anúncios pessoais, aplicativos de namoro e tecnologia em geral, na busca de relacionamentos casuais e românticos.
Antes de namorar, muitas pessoas costumavam enviar anúncios no que muitas vezes era apelidado de “coluna dos corações solitários” de jornais.
Agora, o estigma de usar o namoro virtual não existe da mesma maneira que há uma década e definitivamente percorreu um longo caminho desde o tempo de Helen.
‘Eu não esperava encontrar um amor ou casamento’, diz Alexis Gutierrez, que conheceu o marido no Tinder — Foto: Alexis Gutierrez via BBC
Alexis Gutierrez não estava otimista quando conheceu o Tinder quatro anos atrás, depois de ver um homem interessante nas proximidades.
Após “uma ou duas semanas” de bate-papos virtuais, eles decidiram se encontrar pessoalmente. “Ele me pegou em casa e percebi que estava muito nervoso. Felizmente, eu não estava”, ela lembra agora, nove dias depois de dizer “sim” ao mesmo homem, usando um longo vestido branco bordado.
“Eu não esperava encontrar um amor ou um marido porque, na verdade, a maioria dos homens, especialmente os jovens adultos, estão apenas procurando por relações casuais”, disse Gutierrez, recém-casada, à BBC.
Mas nem todo mundo é fã.
“Não tenho certeza se tenho algo positivo a dizer sobre o Tinder“, diz a contadora Amy Marie, de 30 anos, que mora no Texas, EUA.
Ela diz que “inúmeros homens” enviam mensagens vulgares ou até agressivas pelo aplicativo.
Ela me mostra uma captura de tela de uma dessas mensagens enviadas por um homem imediatamente depois que ela disse “Oi”.
“É definitivamente uma relação de amor e ódio (com o aplicativo). Mais ênfase no ódio, no entanto.”
Chelsea Stirling, uma mulher de 35 anos de Nottingham, no Reino Unido, também teve uma experiência frustrante com o Tinder.
“As pessoas estão mais interessadas na minha aparência do que sobre o que penso ou digo”, diz ela.
“A gente dá match e depois começamos a conversar. Então eles leem meu perfil e desconectam”, ela continua. “Ou eles desconectam imediatamente antes de falar.”
Tinder — Foto: Divulgação/Kon Karampelas/Unslash
O ódio de Amy Marie pelo aplicativo não é isolado — e se você é mulher, as chances de ter uma experiência ruim com aplicativos de namoro são ainda maiores.
Um estudo feito pelo Pew Research Center, em 2020, mostra como as mulheres são desproporcionalmente afetadas pelo assédio.
Na faixa etária de 18 a 34 anos, 57% receberam mensagens ou imagens sexualmente explícitas que não pediram.
O grupo também relatou altas ocorrências de ameaças físicas: 19% (em comparação com 9% dos homens).
Marie Bergström, socióloga e pesquisadora do Instituto Francês de Estudos Demográficos (Ined, na sigla em francês), em Paris, estuda o que chama de “privatização do namoro” em aplicativos como o Tinder.
“Esses aplicativos são muito isolados no sentido de que estão completamente desconectados de sua vida social. É diferente de locais de encontro tradicionais como amigos, família, trabalho, escola, onde você compartilha algo – amigos, colegas, lugares – com as pessoas”, diz Bergström.
“Mostrar seus genitais em um bar é mostrar seus genitais para o mundo inteiro.”
Mas esse não é o caso em uma tela, onde você pode simplesmente desaparecer apenas apertando um botão, então esse ambiente “extremamente privado e isolado” se torna um terreno perigoso para comportamentos violentos e isso provavelmente não mudará no futuro, diz ela.
O Tinder diz que manter as mulheres seguras agora está “no centro das prioridades” do maior aplicativo de namoro do mundo.
A empresa de tecnologia lançou uma parceria em julho de 2022 com o grupo de campanha No More, com o objetivo de acabar com a violência doméstica. Mas a primeira executiva-chefe da empresa, Renate Nyborg, reconheceu o desafio que enfrentava para proteger as mulheres no aplicativo, dizendo à BBC na época: ” Nosso trabalho de segurança nunca termina.”
No entanto, Bergström diz que “menos controle social” também pode ter um lado positivo.
“As mulheres são julgadas muito mais duramente por seus comportamentos sexuais e ainda existe esse estigma social em torno de serem sexualmente ativas demais.”
“O que realmente vemos é que as plataformas de paquera virtual permitem que as mulheres se envolvam mais facilmente em um relacionamento de curto prazo, tenham encontros etc. Porque é possível fazer isso sem ser julgada e ter todo mundo falando de você”, explica ela.
“Portanto, essa desconexão não é apenas negativa – é, na verdade, um grande fator para explicar por que as plataformas são populares.”
Mas como será o futuro do namoro online?
Você provavelmente já deve ter ouvido falar que, no futuro, suas reuniões de trabalho acontecerão no Metaverso – um ambiente de realidade virtual onde seu avatar poderá sentar em volta de uma mesa e interagir com seus colegas como se estivessem juntos pessoalmente.
Bem, isso também se aplica ao futuro dos aplicativos de namoro.
“Com a realidade virtual, você pode simular o beijo. Você pode simular o toque no corpo”, diz Douglas Zytko, professor assistente de interação humano-computador da Oakland University, nos Estados Unidos.
“Paqueradores virtuais muitas vezes valorizam esse tipo de experiência como parte da compatibilidade (de casais)”, explica ele.
Mas isso também é arriscado.
“Há uma boa chance de que a experiência negativa que alguns usuários estão tendo agora seja amplificada na realidade virtual pela imersão que ela proporciona”, diz Zytko.
Imagine um caso em que você esteja rejeitando uma investida romântica ou sexual de alguém em um aplicativo de namoro.
“Na realidade virtual, um criminoso não apenas seria capaz de transmitir verbalmente um comentário muito negativo, mas também usaria seu avatar para isso.”
Mas o que isso significa na prática?
Zytko responde: “Eles podem tocar o avatar de outra pessoa de forma negativa. Ou desenhar imagens fálicas ao redor do ambiente virtual. E o que algumas das primeiras pesquisas estão descobrindo é que esses tipos de experiências de toque indesejado através do avatar e da realidade virtual podem ter um efeito psicológico muito semelhante ao que realmente acontece no mundo real.”
Das partes do metaverso que existem atualmente, apenas algumas – como a Horizon Worlds – são de propriedade da Meta.
No entanto, a empresa iniciou novas formas de se proteger.
O Personal Boundary, por exemplo, impede que os avatares cheguem a uma distância definida um do outro, tornando mais fácil evitar interações indesejadas, e a empresa diz que também oferece várias maneiras de bloquear e denunciar usuários.
“Vimos tendências irem e virem nos últimos anos”, diz Zytko. “Então, acho que é muito cedo para dizer se a tendência do metaverso vai se manter.”
Uma das características mais atraentes dos aplicativos de namoro é a possibilidade de conhecer alguém sentado na outra esquina de um restaurante, de uma rua ou do seu bairro.
Alguns aplicativos já estão explorando isso. Por exemplo o Single Town, um aplicativo de namoro que consiste em uma cidade do Metaverso onde os avatares de pessoas reais “andam, escolhem para onde querem ir e com quem conversar”.
Ao tocar um avatar, é possível ver as fotos reais do usuário, iniciar uma conversa e interagir em um mundo virtual.
“Esses tipos de aplicativos estão proporcionando um encontro virtual que ficaria entre a descoberta e o encontro físico.”
“Esses aplicativos não estão presumindo que você nunca mais vai querer se encontrar cara a cara, o objetivo ainda parece ser possibilitar um eventual encontro pessoal em um relacionamento real.”
E Zytko acha que isso poderia até reduzir o assédio na vida real.
“Ao acrescentar a realidade virtual no meio, você quase pode ter a experiência do primeiro encontro online, antes de se aventurar no mundo real, onde todos esses riscos e danos potenciais se revelam.”
À medida que a realidade virtual abre novas possibilidades para os desenvolvedores e o número de usuários deve chegar a mais de 672 milhões nos próximos cinco anos, de acordo com a Statista, os aplicativos de namoro tendem a se estabelecer como os lugares essenciais para pessoas que procuram sexo ou relacionamento.
“Minha hipótese é que as plataformas de namoro serão cada vez mais importantes para encontrar parceiros”, diz Bergström, autor de The New Laws of Love: Online Dating and the Privatization of Intimacy (As novas leis do amor: namoro virtual e a privatização da intimidade, em tradução livre).
“E está se tornando menos aceito se envolver sexual e romanticamente em outros contextos. Esse já é o caso do local de trabalho. Está ficando menos aceito se envolver sexualmente com colegas”, diz ela.
Para a especialista, isso pode ser expandido para outros contextos. “Seria menos aceito ir até alguém em um bar e começar a flertar, ou menos aceito começar a flertar com pessoas na festa de um amigo, com a ideia de que existem plataformas para isso. Como eu disse, isso é uma hipótese: gostaríamos de separar cada vez mais as coisas e ter cada vez menos sobreposições. Portanto, há um lugar para trabalhar. Há um lugar para ir e praticar esportes. Há um lugar para encontrar amigos. E um lugar para flertar.”
“Uma compartimentalização da vida social”, argumenta.
– Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62917732
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